terça-feira, 10 de setembro de 2024

A FARSA DO 7 DE SETEMBRO E O MITO DO GRITO DO IPIRANGA

 

À esquerda, a imagem inventada do Grito de Ipiranga, de 7 de setembro de 1822, e que nunca houve. À direita, trecho do Hino da Independência de 16 de agosto de 1822, de Evaristo Veiga. Nesta data, a independência do Brasil já tinha sido proclamada

Por João Batista Damasceno*, em Resistência Lírica

O professor Nireu Cavalcanti fez notável trabalho sobre a lenda que os brasileiros comemoram, tal como se fosse fato histórico. Trata-se do Grito do Ipiranga em 7 de setembro de 1822.

Documentos da época demonstram que os fatos, ocorrências concretas no mundo natural, se deram em outros tempos e lugares, com pessoas diversas que não os falsificadores da história.

Nireu é arquiteto, historiador, artista plástico, ex-diretor da Faculdade de Arquitetura da UFF e uma das maiores autoridades da história do Rio de Janeiro.

É o autor do clássico, “O Rio de Janeiro setecentista: A vida e a construção da cidade, da invasão francesa até a chegada da corte”.

Artigo da jornalista Anabela Paiva diz que ele trabalhou “com a obsessão de um Sherlock Holmes”, “empreendeu diligências em busca de documentos” e “embrenhou-se em arquivos”.

Assim sempre o faz – mediante análise de fontes primárias – desmistificando eventos fantasiosos, tais como o lugar do enforcamento de Tiradentes e o tal do Grito do Ipiranga.

O professor Nireu demonstra que José Bonifácio de Andrada, com seus irmãos e grupo de apoiadores, atuou contra o grupo fluminense, “os verdadeiros autores do convencimento do Príncipe Regente, a proclamar a independência do Brasil”.

A independência foi estabelecida em documento oficial, no dia 1º de agosto de 1822, intitulado “Manifesto de S. A. R. o Príncipe Regente Constitucional e Defensor Perpétuo do Reino do Brasil”.

Os documentos primários que comprovam as efetivas ocorrências não podem ser aqui listados, por falta de espaço.

Mas disponibilizo o estudo do professor Nireu Cavalcanti e imagem dos documentos no blog Resistência Lírica. Todas as expressões com aspas, neste texto, são oriundas do trabalho dele.

Desde 1820 os liberais portugueses se agitavam. Em 1821 D. João VI, que viera para o Brasil em 1808, retornou a Portugal.

Coube a um personagem esquecido nos livros de história, José Clemente Pereira, tentar convencer as Cortes Portuguesas a não intimidar os brasilienses e até propôs que Brasil e Portugal fossem constituídos como dois reinos, sob um mesmo rei, sediado no Rio de Janeiro.

A intransigência dos portugueses, que exigiam a volta de D. Pedro, teve como resposta o Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822.

A publicação das cartas originais de D. Pedro I, pelo Museu Imperial de Petrópolis, nos permite reconstituir o período.

Igualmente, a análise de jornais da época, nos mostra que o Manifesto do Príncipe Regente, proclamando a Independência do Brasil, ocorreu em 1 de agosto de 1822.

O manifesto conclama “a união e apoio dos ‘Ilustres Baianos’, ‘Valentes Mineiros’ e ‘habitantes do Ceará, Maranhão, do Riquíssimo Pará’ para assinarem o ‘ato da nossa Emancipação’.”

Em 6 de agosto, D. Pedro I mandou carta aos representantes das “Nações Amigas” comunicando a independência e em 16 de agosto foi publicado o “Hymno Constitucional Brasilience”, do jornalista Evaristo da Veiga, que cantamos até hoje como Hino da Independência.

D. Pedro foi para a Província de São Paulo no dia 14 de agosto e voltou para o Rio em 14 de setembro. O dia a dia da viagem está registrado em documentos. Não há referência ao Grito do Ipiranga.

Em 23 de maio ocorreram distúrbios causados por opositores dos Irmãos Andrada. D. Pedro fora a Santos apaziguar tais conflitos.

Em 7 de setembro, passou perto da cidade São Paulo, sem nela entrar. Na mesma data o Ministro Especial Luiz de Saldanha da Gama instaurou um inquérito para apurar as ocorrências de 23 de maio.

Em 8 de setembro D. Pedro remeteu um manifesto “aos Honrados Paulistanos”.

De posse deste manifesto é que os Irmãos Andrada inventaram a ocorrência da véspera, ampliando demonstração de poder e prestígio, embora fundado em falsidade da história.

O manifesto de 8 de setembro era uma carta aos paulistanos e não aos Irmãos Andrada e nada continha sobre o tal grito às margens do Riacho Ipiranga.

“Se tivesse havido o ‘Grito de Independência do Brasil’ naquela Província, em 7 de setembro, o Príncipe Regente iria proclamá-la na cidade de São Paulo, na Câmara de Vereadores, ou no principal logradouro da cidade, cercado de autoridades e da imensidão do Povo”, disse Nireu.

Em 30 de outubro os líderes fluminenses contrários ao agora ministro José Bonifácio, foram presos e acusados de participar de distúrbios, com fundamento em fake news e lawfare.

Os fluminenses, verdadeiros autores da articulação da independência, foram “acusados de anarquistas, republicanos, e de planejarem tomar o poder”.

Foi em 4 de setembro de 1823, em sessão da Assembleia Constituinte que se propôs a oficialização do 7 de setembro como Dia da Independência do Brasil, registando a fake News dos golpistas da Família Andrada como história.

Em 1824 um padre e deputado, que era amigo e parente de José Bonifácio de Andrada, indicou o lugar do Grito do Ipiranga. Quem duvida das palavras de um religioso?

O irmão da Marquesa de Santos, amante de D. Pedro I, em 1864, confirmou o grito do “cunhado”.

A independência de um país não se faz com bravata no meio do mato por um patriota perante subalternos.

Tampouco aos gritos à margem de um riacho, enquanto se higieniza de uma diarreia; é trabalho cotidiano de todos os nacionalistas.

...

*João Batista Damasceno é professor e doutor em Ciência Política.

**Publicado originariamente no jornal O DIA, em 07 de setembro de 2024, pag. 12.

-Fonte: https://www.viomundo.com.br/

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