Fotos: Tuane Fernandes,
Bruna Piazzi e Pedro Muniz/Mídia Ninja
Por Jair de Souza*
Por mais que se procure
dizer que não, as questões de caráter econômico sempre foram, são e continuarão
sendo o fator determinante para impulsar mudanças estruturais em uma sociedade
ou, por outro lado, para justificar os esforços no sentido de manutenção do
status quo.
Porém, via de regra, tão
somente as classes dominantes e seus representantes teóricos demonstram ter
plena consciência disto.
As classes subjugadas,
pelo contrário, costumam carecer de plena compreensão das causas reais de seu
estado de penúria e suas dificuldades para levar adiante uma vida digna.
E o grande confronto que
as forças populares devem travar para almejar ter êxito em sua luta por
efetivar transformações nas bases de um sistema como o capitalista está
relacionado com o enigma de como coadunar os embates diretamente relacionados
com pautas de cunho socioeconômico com aquelas de outra índole, com as quais os
exploradores tratam de manipular os subjugados.
Todo revolucionário com
um mínimo de embasamento teórico tem plena consciência de que as tais pautas
ditas morais são meras enganações, que visam ludibriar as massas populares.
Mas, deveríamos por isso fugir das mesmas e centrar fogo tão somente naquilo
que consideramos representar as questões que, de verdade, merecem ser
debatidas?
Bem, se isto fosse algo
que dependesse tão somente de nossa própria escolha, não teria nenhuma
relutância em responder afirmativamente.
No entanto, por mais que
nos desagrade, aqueles que detêm a hegemonia econômica de nosso país sabem
muito bem manipular com os preconceitos enraizados na mente de nossa gente mais
espoliada.
Por isso, seu objetivo
nunca vai ser deixar que nosso povo possa debater e decidir sobre se lhe é mais
ou menos conveniente que os níveis salariais sejam elevados, que o atendimento
médico público seja ampliado e melhorado, que as escolas funcionem
verdadeiramente como entes formadores de uma cultura liberadora, e outros temas
na mesma linha.
É evidente que para os
grandes banqueiros, para os rentistas especuladores em geral, para os senhores
do grande capital agroexportador, para os comandantes das empresas-igrejas que
trabalham para a prosperidade e o domínio de seus próprios donos, para essa
gente toda é muito mais conveniente que as massas populares se digladiem e se
matem em função de um imaginário kit-gay, ou de um hipotético banheiro unissex,
ou seja, que empreguem suas energias, e descarreguem toda sua bronca
internalizada contra esse tipo de coisas.
O que lhes é
absolutamente inadmissível é que essa fúria e essa frustração sejam
direcionadas contra pontos que ameacem afetar o que é de mais sagrado para
nossas classes dominantes: sua riqueza e o poder e privilégios dela advindos.
A pergunta que nos
acomete de imediato é: como lidar com tal situação em que impera a
desinformação e a falta de consciência. Por mais banal que venha a soar, a
resposta é direta: levar informação e dotar de consciência a nossas massas
populares.
Agora, a maneira de
efetivar esta tarefa aparentemente tão simples é o que vem a ser, de fato, a
questão crucial. Sua consecução exige e depende de um sentido de luta imbuído
de muita paciência, dedicação e persistência, para realizar a única coisa que
ao longo do tempo vem demonstrando ser um remédio quase que milagroso para
dotar as massas de consciência política: dedicar-se de verdade ao trabalho de
base.
Lamentavelmente, nos
últimos anos, aquilo que era uma consagrada tradição das forças de esquerda,
passou a ser muito mais uma característica da extrema direita de cunho
nazifascista.
E antes de avançar na
explicação, é preciso que deixemos sempre evidente que, em política, o termo
“esquerda” se relaciona com os interesses das maiorias trabalhadoras, ao passo
que “direita” tem a ver com os das classes dominantes. Estes são e sempre foram
os significados histórico-etimológicos destas expressões.
A partir da chegada de
Lula ao governo em 2003, o PT e muitas outras organizações políticas da base
popular se afastaram do contato diuturno com as maiorias populares em seus
locais de moradia e trabalho para se dedicarem com mais prioridade à luta
institucional.
Porém, como no universo
político não há vácuo de longa duração, os espaços abandonados foram
rapidamente ocupados por outras forças de sinal inverso.
Foi assim que a extrema
direita mais fascista e reacionária imaginável passou a fazer parte do
cotidiano de nossas populações mais carentes através de igrejas-empresas de
orientação neopentecostal que se autodenominam cristãs.
Com a experiência de mais
de três dezenas de anos no trabalho educacional junto a comunidades de nossas
periferias, sinto-me impelido a dizer que sem o trabalho de base realizado
pelas igrejas-empresas neopentecostais o fascismo brasileiro jamais teria
significado nada que pudesse representar um sério risco de completa
fascistização de nosso país.
Ouso dizer que a versão
do fascismo predominante por aqui, o bolsonarismo, seria nada mais do que uma
mera peculiaridade, de patetas e para patetas, se não fosse pelo trabalho de
base empreendido pelas células orgânicas do verdadeiro partido do fascismo em
nosso país.
Tradicionalmente, por
aqui e por todo lado, era a Igreja Católica a principal responsável por levar
adiante este trabalho político de domesticação das massas populares em favor
dos interesses das classes dominantes.
Foi assim até a entrada
em cena dos adeptos da Teologia da Libertação, que decidiram tomar as lições
dos Evangelhos e fazê-las coincidir com as aspirações de solidariedade e amparo
aos mais necessitados com as quais a figura de Jesus sempre foi vista e sentida
pelo conjunto de nossa população.
Como é sobejamente
sabido, essa ousadia não foi tolerada por muito tempo. Uma das primeiras
medidas tomadas por Carol Woytila ao assumir o papado foi exterminar da Igreja
Católica a Teologia da Libertação.
Assim, com a severa
perseguição desatada contra essa corrente popular do catolicismo e com a
ausência da militância política de esquerda, as massas de nossas periferias
ficaram inteiramente à mercê da nova ferramenta que o grande capital havia
engendrado para salvaguardar seus interesses, em outras palavras, entramos na
era da hegemonia das igrejas neopentecostais junto aos mais necessitados de
nossos compatriotas.
É claro que enfrentamos
também o flagelo das redes digitais e seus algoritmos pró-grande capital, mas,
para se impor, estes também dependem muito do trabalho político efetivo
executado pelos agentes do neopentecostalismo junto as bases populares.
É no contato pessoal com
os agentes neopentecostais a serviço do grande capital que boa parte de nosso
povo se deixa levar por aquelas campanhas de desinformação e deturpação
disseminadas pelas redes digitais. Assim, ao neutralizar ou reduzir o peso da
influência neopentecostal, em consequência, o poder de convencimento das
mentiras espalhadas pelas redes também sofreria um baque significativo.
O recente caso da
monstruosa campanha desatada para desgastar Lula e seu governo com o invento da
iminente taxação do pix pode servir como ilustração da importância de estar
junto das massas e poder dialogar com elas a todo momento.
Tratava-se de uma
portaria que atingiria única e exclusivamente a bandidagem que opera atividades
criminosas e recorre ao pix como forma de evitar rastreamento de seus crimes.
Havia uma ameaça real aos
interesses econômicos das máfias envolvidas. Por isso, elas se puseram em
movimento e lançaram uma campanha insidiosa a respeito da questão.
A boataria infernal e
criminosa só ganhou terreno porque as forças ligadas ao governo de Lula não
estavam no seio do povo no momento em que as mentiras começaram a circular.
Porém, por sua vez, os
agentes das igrejas-empresa neopentecostais, sim, estavam, e referendavam os
conteúdos falsos disseminados. Ao ordenar a retirada da portaria sobre a
questão, o governo acabou dando ares de verdade às monstruosas invenções
direitistas.
Infelizmente, o excelente vídeo da deputada Erika Hilton, que desmontava a farsa por completo, só
apareceu depois que os estragos já haviam sido causados.
Se a militância de
esquerda não tivesse quase que desaparecido das bases, a boataria não teria
ganhado tal proporção, assim como as respostas do tipo Erika Hilton teriam
surgido de imediato e de várias fontes.
Fazendo uma síntese do
que estamos tentando elucidar, os partidos de esquerda, suas organizações e
seus militantes precisam voltar a estar participando do dia a dia da luta de
nosso povo.
Esta é a simples receita
que pode vir a ser decisiva para que consigamos avançar no rumo da construção
de uma sociedade mais justa e solidária. E isto significa que nossas
prioridades devem ser exatamente as questões socioeconômicas que tornam essa
melhoria possível.
Mas, não adianta
conseguir os ganhos e transpassá-los ao povo. É de fundamental importância que
o povo sinta e compreenda que estas conquistas dependem e só podem ser
alcançadas com seu engajamento ativo nas lutas pelas mesmas.
Isto quer dizer que o
povo precisa ser educado politicamente e, para tal, nossa presença junto a ele
no trabalho de base é INDISPENSÁVEL.
*Jair de Souza é
economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ - Fonte: Viomundo