quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

A prisão de Crivella e as arbitrariedades do Judiciário

Esta é a tragédia. Os que vão na frente, correndo riscos, até de vida, criam uma mística que é aproveitada por juizes de escrivaninha, para exercer seu poder discriminatório  contra os que pensam diferente.


Por Luis Nassif*

Não se discute que a política no Rio de Janeiro é um escândalo continuado. E, aqui mesmo, tenho enaltecido o trabalho sério do Ministério Público Estadual (MPE), assim como os problemas do Tribunal de Justiça do estado, sob influência de desembargadores polêmicos.

A prisão de um ex-aliado de Jair Bolsonaro, do partido que acolheu os filhos de Bolsonaro, poderia ser objeto de regozijo. Mas me assusta mais do que entusiasma.

Lembro-me no evento que comemorou 80 anos da Folha. Na mesa, diversos colunistas analisando o papel da imprensa. Minha colega Eliane Cantanhede fez um elogio entusiasmado à cena da prisão do então senador Jader Barbalho, conduzido algemado em um avião. Era a prova definitiva de que a imprensa cumpria seu papel, segundo ela.

Pedi a palavra e mostrei os riscos que havia por trás disso. Se faziam aquilo com um senador da República, e eram aplaudidos, quem seguraria a ponta, os policiais que atuavam nas periferias  contra pobres, pretos?

Ao assistir a cena do prefeito Crivela preso, embora não algemado, pensei nos efeitos sobre os juizes que estão empreendendo campanhas de anulação de jornalistas “dissidentes”.

O show de prisões preventivas é uma demonstração de ceticismo em relação aos tribunais superiores – especialmente no Rio de Janeiro. Com a prisão e o show midiático, pensam procuradores e juízes, ao menos haverá uma punição, antes que os tribunais superiores revoguem as decisões.

Tenho a maior admiração pelo trabalho do Procurador Geral Eduardo Gussem. Tem atuado até o fim do seu mandato, mesmo sendo vítima do Covid-19, e enfrentado grupos extremamente poderosos. Mas a coragem do juiz e dos procuradores do Rio fortalecerá o juiz de São Paulo que bloqueou a conta conjunta e que está há meses sem sequer responder ao embargo de terceiros de minha esposa, mantendo a conta bloqueada com a tranquilidade dos que se julgam intocáveis.

Esta é a tragédia. Os que vão na frente, correndo riscos, até de vida, criam uma mística que é aproveitada por juizes de escrivaninha, para exercer seu poder discriminatório  contra os que pensam diferente. Em nada diferente de procuradores que passaram a exercer toda sorte de arbitrariedades estimulados pelas ações de Curitiba.

Refazendo o raciocínio ao contrário, se senti na carne a falta de discernimento do juiz de São Paulo, quem me garante que o juiz do Rio teve discernimento ao autorizar a prisão de Crivella, mesmo antes de terminado o inquérito? Ou seja, a atuação do juiz de São Paulo coloca em dúvida, na minha cabeça, a atuação do juiz do Rio.

*Jornalista, Editor do Jornal GGN

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