Seria um bom exercício de lógica, ainda mais agora que a cobertura do Covid-19 finalmente trouxe a mídia para o primado da ciência e da racionalidade. Mas na economia mantém-se a mesma irracionalidade de repetir platitudes sem a menor preocupação em definir relações de causa e efeito.
É inacreditável o estoque de explicações sobre a saída da Ford do país. O jornalismo fixou-se em duas ou três explicações genéricas, que são utilizadas para qualquer caso e qualquer circunstância.
Em um canal, ouve-se que o Brasil desvalorizou muito sua moeda e tornou a produção cara. Em outro, a explicação de que a Ford decidiu concentrar-se na Argentina porque lá a moeda se desvalorizou muito, tornando a produção mais barata.
Em outro canal, o âncora especializado em política externa, jura que a saída da Ford se deveu à ausência da reforma fiscal e outras reformas que irão salvar o país, porque o custo Brasil é muito elevado. O mantra das reformas é repetido a torto e a direito, sem a menor preocupação em identificar os detalhes das tais reformas, os impactos positivos e negativos e o peso final sobre o custo Brasil de cada setor.
Em outro, diz-se que a indústria automobilística brasileira – formada pelas maiores montadoras globais, disputando o mercado a ferro e fogo – foi mal acostumada com subsídios e desaprendeu de competir.
É muita superficialidade em torno de um tema dos mais relevantes.
Sugere-se aos propagandistas do custo Brasil que detalhem o que vem a ser este custo.
Por exemplo, há um sistema tributário complexo. Mas é o mesmo sistema tributário de décadas. E, antes, era inimaginável a Ford pensar em sair do país. Não significa minimizar a complexidade tributária, mas certamente não foi o fator que determinou a saída da Ford.
Um dos custos Brasil é a precariedade do sistema de rodagem. Resolve-se com aumento de gastos públicos.
O que mudou então?
Seria um bom exercício de lógica, ainda mais agora que a cobertura do Covid-19 finalmente trouxe a mídia para o primado da ciência e da racionalidade. Mas na economia mantém-se a mesma irracionalidade de repetir platitudes sem a menor preocupação em definir relações de causa e efeito.
O ponto central é a queda da produção, decorrente da queda do mercado interno e das exportações. Em janeiro de 2012, o acumulado de 12 meses de produção batia em 3,4 milhões de veículos. Em outubro de 2013, bateu o recorde de 3,8 milhões. Desde então, foi despencando, teve uma pequena recuperação em 2018, mas longe do desempenho dos anos anteriores e agora desabou para a faixa dos 2 milhões de veículos.
Queda de produção impacta o custo fixo, aluguel, investimentos, mão de obra. Simples assim.
A produção foi afetada tanto pelas vendas internas quanto pelas exportações.
Obviamente, há outros fatores, como a entrada das montadoras coreanas e chinesas no mercado brasileiro, a perda do ímpeto inovador que fez a Ford, dez anos atrás, montar uma fábrica modelo na Bahia; a revolução da robótica; a mudança no perfil de combustível dos veículos.
Mas o ponto central foi a queda do mercado, devido à continuidade de políticas econômicas equivocadas, que vem desde os desastres de Joaquim Levy.
O que chama a atenção é que, mesmo dando sinais de sair do país há tempos, não houve uma abordagem sequer do Ministro da Economia para negociar a permanência da produção no país.
Paga-se mais uma conta enorme, decorrente de dois erros fundamentais. O primeiro, o de transferir o Ministério da Indústria, Comércio e Desenvolvimento para a Economia, criando um monstrengo inadministrável. O segundo, de entregar o comando a Paulo Guedes.
Ontem, Guedes dizia não entender a saída da Ford, em um momento em que a indústria tem uma recuperação em V. Seria melhor complementar que é uma recuperação que ninguém vê.
*Via GGN
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