Por Janio de Freitas*
Piores notícias sobre o custo de vida e as condições da
economia fortalecem, a cada dia, o contraste entre a urgência social de
impulsos reais para a retomada e a inabilitação embromatória de Paulo Guedes.
Nos últimos dias, sucederam-se as seguintes constatações,
carentes da divulgação com a visibilidade necessária:
— a produção industrial caiu, em outubro, pelo quarto mês
consecutivo. Isto já em pleno período de atividade para abastecer o comércio
natalino. Queda de produção tem reflexo direto em desemprego, redução de
salários em eventuais contratações e queda de arrecadação federal e local;
— 70% dos trabalhadores recebem, hoje, menos do que recebiam
antes da pandemia, em 2019. E esses dados nem estão com atualização precisa. O
economista Daniel Duque fez o estudo, na Fundação Getulio Vargas, com dados até
junho. Mas nos quatro meses desde então, os componentes da pesquisa só a fariam
mais ácida;
— os preços dos alimentos consumidos pelas camadas mais
pobres aumentaram 20% nos últimos 12 meses e agressivos 40% durante a pandemia.
Sobre esse chão esburacado, e em apenas dois dias da semana
passada, Bolsonaro soltou R$ 909 milhões de verbas para aplicação por
parlamentares. Foi seu modo de aprovar na Câmara o tal projeto dos precatórios
(dívidas oficiais com pagamento programado). Essa autorização de elevados
gastos efetivaria também o remendo social, e sobretudo eleitoral, chamado
Auxílio Brasil, substituto do bem-sucedido Bolsa Família. Nada mais incerto,
porém.
Quase um bilhão deram a Bolsonaro apenas quatro votos acima
do mínimo. Compra descarada, chantagem e corrupção enlaçadas, com deputados do
PDT (de Ciro Gomes), do PSDB (de João Doria e Eduardo Leite) e do PSD (de
Rodrigo Pacheco) invertendo sua oposição ao projeto. O quase bilhão cobre a
segunda votação na Câmara e as duas no Senado.
Mesmo que obtenha as três aprovações, o rumo e o ritmo da
degradação econômica prometem esvaziar o Auxílio em pouco tempo. O governo não
terá meios financeiros nem políticos para mais bilhões de novo e apressado
remendo.
O escândalo da compra-e-venda, por seu lado, eclodiu também
nos partidos e mexeu até com o rascunho de pré-candidaturas à eleição
presidencial, acentuando a dificuldade já da próxima votação. Esvaziado e não
recomposto o Auxílio, a realidade das diferenças socioeconômicas não se
contentará com os tons de cinza tão atuais.
E surge, ainda, um problema benfazejo, na palavra incisiva de
alta decisão judicial. Ao determinar a suspensão do sigilo e de liberações das
chamadas emendas parlamentares –corrupção usual no pós-ditadura–, a ministra
Rosa Weber feriu uma das imoralidades, senão a maior, que condenam o país a
nunca chegar lá, quando se pretende uma solução necessária e correta, seja em
que questão for.
Devida ao PSOL, a ação ainda irá ao plenário do Supremo, mas
a grandiosa liminar de Rosa Weber abre um processo corretivo fundamental para
hoje e o amanhã. Com ou sem apoio do plenário, o Supremo já pôs no cadafalso o
truque ordinário das emendas corruptoras.
Se aprovado, o Auxílio não sustentará nem a situação grave
deste momento. Tal como sua derrota não encontrará na perplexidade fantasiosa
de Paulo Guedes, com a venda da Petrobras e um trilhão em venda de imóveis da
União, alguma inteligência contra a derrocada socioeconômica e seus fins
imprevisíveis. Por isso não se vê bom senso que preveja resultados toleráveis
para este ano e não assustadores para o próximo.
Até o Banco Central reduz as estimulantes previsões que
emite. Não é preciso dizer mais. Exceto sobre a miséria que se alastra, a fome,
a nova onda assassina contra os indígenas.
E sobre o sugestivo prestígio das milícias do Sudeste que se
implantam na exploração clandestina da Amazônia. Como Bolsonaro e a cúpula da
Polícia Federal sabem.
*Jornalista. Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo, em 6/11. - Edição final deste Blog.
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