quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

O fim do ano de 2021: fez escuro mas eu canto

                              


                              Foto: Luiza Castro/Sul21

Por Roger Flores Ceccon* 

O fim é sempre uma utopia, mas 2021 chegou ao seu final. Oxalá. Um longo e trágico ano. Quem diria? Mais de 600 mil famílias em luto. Por uma doença prevenível. Pandemia. Caos. A fome voltou com tudo, a miséria também. O Bolsa Família acabou e ossos são vendidos no supermercado à preço de farinha. O gás está mais de cem. Preço do custo. A Bahia, meu bem, está debaixo d’água, e a vacina é desacreditada com desdém. O presidente está em férias. Amém. E o rei está nú. 

2021 foi uma odisseia no espaço, trocadilho ao incrível filme de Stanley Kubrik. Odisseia como referência à uma longa perambulação marcada por eventos imprevistos. No nosso caso, totalmente imprevistos. Previsto era apenas a forma como reagiríamos à crise que se instalou. Era a crônica da morte anunciada. A bizarrice venceu. E deu no que deu. Rastejamos nessa perambulação. Humilhados. De máscara e álcool gel. Sem eira e nem beira. Peregrinamos sem saber onde íamos, enquanto outros morriam. Por falta de ar, entubados. Festas aconteciam. Enterros também – sem velórios. Milhares. Os militares comiam filé. Alguns enriqueciam. Nem máscara vestiam. E nós fomos para o espaço. 

Chega ao fim um ano que jamais terá fim. E nem deve. É preciso lembrar. Cultivar a memória do vivido, do sofrido. A memória das pessoas que partiram. Precisamos lamentar as nossas dores, lamber as nossas feridas. Sempre. Só assim não repetiremos a barbárie. Não temos nada a comemorar. Foi o ano que jamais devia ter existido. 

No ano que chega ao fim, jogamos xadrez com a morte. Como no filme sueco O sétimo selo, de Ingmar Bergman. No longa-metragem, um cavaleiro retorna das Cruzadas e encontra sua terra devastada pela peste negra. Sua fé em Deus é abalada e, enquanto reflete sobre o significado da vida, a Morte surge para levá-lo, pois chegou a sua hora. Para ganhar tempo, o cavaleiro a convida para um jogo de xadrez que decidirá se ele parte com ela ou não. Tudo depende da sua vitória. A Morte aceita o desafio, já que nunca perde. Na vida real, apostamos alto com a Morte. Muito alto. E perdemos. Perdemos vidas.

Um novo ano se aproxima. Tímido. Lento. Nebuloso. Mas traz impulso. Traz sonhos. Entusiasmos. Traz novas utopias. É ano decisivo. Eleitoral. Que estejamos juntos. Cada vez mais juntos. E vivos. Porque fez escuro mas eu canto, porque o amanhã vai chegar.

*Roger Flores Ceccon é professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Fonte: Sul21 

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