terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Poema

 


Se apenas nos restar, ao fim da tarde...

'Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena./Quem quer passar além do Bojador/Tem que passar além da dor.' (Fernando  Pessoa)

Se apenas nos restar, ao final da tarde

uma tênue lembrança de um tempo mágico

& agitado

em que sonhávamos acordados

& o sonho era possível e necessário

e obreiramente buscávamos edificá-lo...


E era um tempo de trevas e de glórias

anos anos anos de chumbo, nebulosos

em que com nossos corpos franzinos

escalávamos escarpas de montanhas

e transpúnhamos solenemente os mais íngremes

obstáculos

& correntezas letais

carregando desafiadoramente a bandeira da rebeldia

     & da fraternidade

         da utopia ... & da esperança


Companheira

se ao final da jornada

sobrar mais prantos que alegrias

e apenas nosso cão estiver conosco

festejando (entre nosso olhar cúmplice

     & solidário)

e um ou dois amigos/companheiros, raros, que restaram

para charlarmos entre um e outro mate

ao fim de uma tarde invernal

onde nossas relembranças & recuerdos

& angústias pautam os assuntos


Mesmo assim, companheira,

com essas verdades metálicas e abrasivas

nos corroendo por dentro

mordendo nossas entranhas &

corações

terá valido a pena

    por que fizemos o que tinha que ser feito

     por que era preciso andar pra frente

     por que não se podia jamais retroceder


Se o tempo de hoje é diferente

daquele quando nos chamávamos camaradas

e oferecíamos, nas avenidas infestadas

de truculência policial  & contrapondo-se à eles

nossos peitos desnudos mas repletos

de desprendimento & coragem juvenil


E confundíamos nossas vidas, nossos sonhos

E éramos solidários na fome e no combate

& multiplicávamos o pão a energia

       & a esperança...


Se apenas nos restar uma lembrança

desses tempos gloriosos e obscuros

Mesmo assim, companheira


Terá valido a pena

por que fizemos o que tinha que ser feito

        por que era preciso andar pra frente

        por que não se podia jamais retroceder


Se, então, no ocaso dos nossos dias, for essa a realidade,

companheira,

ainda assim terá valido a pena

pois teremos deixado  sementes plantadas

(e sabemos que Gaya,  fértil, fará a sua parte

nosso modesto testamento

para os que vierem depois)

   -por que (ainda) é preciso andar pra frente

   -por que não se pode mais retroceder


Se, profunda lástima,  ausentarem-se os amigos mais fraternos

e os camaradas nos virarem as costas

     & se o Partido (?!) frustrar os lutadores

     & equivocadamente recuar de sua missão

      & a palavra solidariedade for sepultada

           nas covas do egoísmo, do oportunismo

                    & da traição


Se for somente isso o que nos restar, ao fim da tarde

Mesmo assim, não capitularemos

não entregaremos nossas armas, companheira:


-Por que é preciso - sempre-  andar pra frente

     por que é preciso - sempre - acreditar

     que, afinal, apesar das intempéries, dos tormentos

           é possível (Fênix)...  vencer...


-Por que  -  ao fim e ao cabo - a luta, a vida ... vale a pena!

           E por que não se pode, jamais,  retroceder!


                                (Júlio Garcia - Canoas/RS - 2009)


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