Coluna
de Silvio Almeida, advogado, professor visitante da Universidade de Columbia,
em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama, hoje na Folha [de SP]*:
Por
mais terrível que possa soar, por mais contraditório que pareça e por todas as
consequências que traga, é preciso reconhecer que o presidente da República é
um inimigo do povo brasileiro. Certamente alguém dirá —e com razão— que ele não
está sozinho, que ele é apenas um lacaio de grupos empresariais e de militares
que nunca aceitaram o fim da ditadura, mas o presidente da República é hoje a
face mais visível do pior do Brasil.
Não
que o Brasil já tenha sido um paraíso ou que algum dia o povo brasileiro tenha
sido tratado pelo Estado com carinho e dignidade. Entretanto, é difícil pensar
em outros momentos de tamanha indecência e descaramento, mesmo em um país cuja
história é marcada de uma ponta a outra pela violência e pela desigualdade.
O
governo de Jair Messias Bolsonaro é a encarnação mais viva e apodrecida do que
tenho chamado de "tendências estruturais da formação social
brasileira", a saber: o autoritarismo, a dependência econômica e o
racismo. Estas "tendências" são forças constitutivas da vida
nacional, que se manifestam mesmo diante de arranjos político-institucionais
republicanos e democráticos, tal como o conferido pela Constituição de 1988.
Em
outras palavras: mesmo quando o Brasil não estava tomado pela absoluta
indigência política, jamais deixou de ser autoritário, racista e dependente. A
diferença é que este governo, além de não fazer oposição a tais tendências,
muito pelo contrário, trabalha ativa e orgulhosamente pelo aprofundamento do
autoritarismo, pela disseminação do racismo e pela destruição de toda e
qualquer possibilidade de soberania econômica. É um governo de antibrasileiros,
racistas e entreguistas.
A
esta altura do jogo, está evidente que Bolsonaro não apenas quer dar um golpe
de Estado, mas que ele é o próprio golpe. Ele é o golpe nosso de cada dia. Sua
sobrevivência política e a de seu grupo dependem do golpe e de golpes
sucessivos.
Ele
é a "vitória dos derrotados" pelo fim da ditadura e pela demissão de Sylvio
Frota; ele é a bomba do Riocentro que explode todos os dias em nosso colo; ele
é o grito dos grandes corruptos contra a corrupção, e que só tem por objetivo
minar a confiança do povo na política; ele é a personificação da fome, da
doença, do desemprego e da desigualdade que muitos cinicamente desejam para o
país, tal como revelou o empresário que o apoia e que teria lhe apresentado sua
cara-metade, o ministro da Economia.
Por
estes motivos, o presidente e sua turma não podem se dar ao luxo de perder as
eleições. A questão aqui não é ganhar, porque "ganhar" significa,
talvez mais do que "perder", submeter-se às regras do jogo
constitucional, e isso ele nunca quis e não vai querer. Só o golpe, a fraude, a
farsa, o caos e a violência sem limites interessam.
Ele
não aceitará outra coisa que não seja sua permanência no poder, pois se for
derrotado poderá (e deveria) ser processado criminalmente, e o bando de
autoritários, corruptos e arautos da miséria que o acompanha deixá-lo-á na
estrada, abandonado, assim como o próprio costuma fazer com muitos de seus
antigos aliados.
Mas
repetir à exaustão que Bolsonaro quer dar um golpe e nada fazer para impedi-lo
só serve para naturalizar a presença de um golpista na cabeça do poder do
Estado, além de plantar as sementes para que em alguns meses as pessoas
assistam bestializadas a uma possível invasão do TSE ou do STF, como se fosse
um seriado de TV.
Desse modo, tudo o que acontecer daqui para a frente e, especialmente, se custar sangue derramado por estes golpistas, será não apenas responsabilidade do golpista-em-chefe instalado na Presidência, mas também de todos aqueles que tendo o dever político e até jurídico de fazer algo para impedir que ele tenha sucesso, gostosamente, se omitem.
*Via Blog do Mello
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