A vulnerabilidade dos agricultores gaúchos se deve também aos processos de produção baseados em monoculturas
Seca
no RS. Foto: Luiz Carlos Pilz/Arquivo pessoal
Por Jairo Bolter (*)
A estiagem que se alastra por todas as Regiões do Estado deixa um rastro de preocupação, incerteza, angústia e medo.
Nos últimos trinta anos ocorreram mudanças significativas nos processos produtivos, que deixaram os agricultores e as regiões à mercê de um sistema de produção caro e de alto risco. Os custos de produção, cada vez mais elevados, centrados em insumos externos as propriedades deixaram os agricultores mais vulneráveis. A maior parte destes não dispõe de sementes para o próximo plantio, por exemplo.
A vulnerabilidade dos agricultores gaúchos se deve também aos processos de produção baseados em monoculturas. A diversificação da produção deixou de existir na maioria das propriedades rurais. A produção de monoculturas fez com que propriedades inteiras fossem literalmente modificadas, em prol do um único sistema de produção, geralmente baseado em grãos. Neste processo, banhados, vargens e vertentes por algum tempo se tornaram desnecessárias nas propriedades. Em prol de um melhor aproveitamento das áreas, movimentações suicidas foram sendo implementadas por alguns agricultores, financiados pelo Estado por meio das políticas de crédito rural.
Os processos produtivos predominantes fizeram com que ocorresse ao longo dos anos uma compactação natural dos solos. Segundo alguns pesquisadores, nossa maior caixa de água. Solos compactados, banhados, vertentes e vargens secas, restam-nos os rios e lagos, que atualmente agonizam diante do assoreamento. Sem uma estrutura hídrica adequada as águas praticamente sumiram das propriedades.
No atual sistema de produção os agricultores precisam garantir praticamente tudo às plantas: sementes; adubos e fertilizantes; fungicidas e inseticidas; herbicidas; e água. Sim. Agora o discurso é: “sobreviverá quem conseguir irrigar as plantações, como se existisse água disponível e acessível para todos os agricultores e suas plantações”. Esse processo além de caro é muito arriscado e não é sustentável ao longo prazo.
O que fazer diante dessa situação? Não resta dúvida que precisamos novamente socorrer os agricultores, mas não devemos socorrê-los paliativamente, para o bem da humanidade. Aqueles agricultores que não querem ter compromisso com o futuro, com os processos de produções mais sustentáveis, que não agridem tanto a natureza, os solos, os animais, a água e o ar, não merecem nossa atenção, tão pouco a nossa ajuda.
O socorro público deve ter comprometimento social, ambiental, cultural e econômico. Os governos precisam encontrar meios para auxiliar os agricultores que tem compromisso e querem “produzir melhor”. Para esses são necessários investimentos e ações de curto, médio e longo prazo.
No curto prazo é necessário criar um auxílio emergencial para os agricultores sobreviverem neste período. Em médio prazo precisamos organizar um Fundo de Investimento Agrícola e Agrário (Nacional e Estadual), que será inflado com recursos em anos de boa produção e produtividade e servirão para salvaguardar os agricultores em momentos adversos. Além disso, precisamos investir em estruturas de captação e armazenamento de água, como cisternas e micro reservatórios nas propriedades rurais.
Por fim, não menos importante, em um período de longo prazo precisamos investir em educação e ciência, para encontrarmos meios de produção mais sustentáveis, tais como os bioinsumos. Recursos públicos devem ser injetados nas Escolas, nas Universidades, nos Institutos e nas Instituições de Assistência Técnica e Extensão Rural, que atuam nas regiões rurais, para que essas conectem suas ações aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis, os ODS. Por meio de estudos e pesquisas podemos fortalecer a indústria nacional limpa diminuindo assim a nossa dependência de insumos importados, que aumentam os custos de produção e os preços dos produtos, prejudicando agricultores e consumidores.
Enfim, parafraseando Hobsbawm: “estamos na Era dos Eventos Extremos”. Precisamos, em conjunto, encontrar meios viáveis para sairmos desta situação. Estiagens, incêndios, enchentes, desmoronamentos, temperaturas de deserto, cuja frequência e intensidade são cada vez maiores, são decorrentes das mudanças climáticas e sim são respostas as nossas ações. Como destaca o Professor da UFRGS, Sergio Schneider: “não precisamos produzir mais. Precisamos produzir melhor”.
O Estado, não deve e não pode mais concentrar suas ações no financiamento da agricultura predatória, irresponsável e sem compromisso com a vida e as gerações futuras. Ainda temos tempo, mas precisamos urgentemente girar a chave e dar um basta nessa situação.
(*) Professor da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Fonte: Sul21
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