por Conceição Lemes*
Nessa terça-feira (20/09), o juiz federal Sergio Moro aceitou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-presidente Lula e sua esposa Maria Letícia. Eles se tornaram réus da Lava Jato devido ao triplex do Guarujá e à manutenção do acervo presidencial com recursos da OAS.
O jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), discorda.
Viomundo – O que achou dessa decisão?
Pedro Serrano – Gostaria de ressalvar que não li o processo integralmente. Mas, a meu ver, não havia justa causa para aceitar a denúncia contra o ex-presidente Lula. Para mim, a denúncia tem inclusive inconsistências lógicas internas.
Viomundo – O que significa justa causa?
Pedro Serrano – Justa causa é um conceito do Direito Penal. Não significa que existam provas contra o réu.
O próprio Moro fez esta observação. Disse que, neste momento, há certa fragilidade de provas, mas que, agora, não seriam necessárias provas terminativas. Bastaria haver justa causa.
Aí, entraram os depoimentos do ex-deputado federal Pedro Correa (PP-PE) e do ex-senador Delcídio do Amaral (Sem partido-MS) que o MPF utilizou como provas de que Lula sabia do esquema da Petrobras e fazia parte dele. E isso teria vínculo com o triplex e a manutenção do acervo presidencial.
Só que, primeiro, este vínculo não está nem perto de ser provado.
Segundo, sequer foi provado que o sítio seria de Lula. Ao contrário. A prova documental é de que não é propriedade dele. Ou seja, é uma denúncia extremamente frágil que deveria ser rejeitada pelo juiz. Mas não foi esse o entendimento dele. Vamos aguardar os resultados.
A propósito, se eu não me engano, a delação de Pedro Correa não foi homologada, o que torna nula a sua utilização como prova. Da mesma forma, o uso na denúncia contra Lula, como revelou aFolha de S. Paulo, de informações e documentos obtidos nas negociações da delação de Leo Pinheiro e que foi interrompida pela PGR.
Viomundo – Qual a sua expectativa?
Pedro Serrano – Existe em parcela significativa da comunidade jurídica a suspeita, no meu entender bem fundada, de que Lula está sendo tratado como inimigo e não como cidadão acusado num processo crime.
Inimigo no sentido de Carl Schmitt [controverso jurista alemão, 1888-985]. Ou seja, desprovido de direitos, desprovido de proteção jurídica mínima a que um ser humano tem direito.
Não estou dizendo que este é o sentido da decisão do juiz Moro.
Mas há essa suspeita. Parcela significativa comunidade jurídica está preocupada com esse processo, não está convencida de que existe razoabilidade da adequação da instauração dele. Parece que há uma indução à condenação de Lula, independentemente de qualquer coisa, por razões mais políticas do que jurídicas.
Viomundo – O mal estar na comunidade jurídica seria por quê?
Pedro Serrano — Apesar de a Lava Jato ser uma operação com amplo apoio social e ter intenções muito corretas no combate à corrupção, os métodos que tem usado, principalmente de um ano e pouco para cá, são extremamente questionáveis face à nossa Constituição.
Viomundo – Por exemplo.
Pedro Serrano — Basicamente prender pessoas para obter delação, grampos em escritório de advogados de investigados, especialmente os de Lula, a divulgação de áudio obtido de forma ilícita da conversa entre Lula e a presidenta Dilma.
Ou seja, é uma série de condutas, que culminou com a entrevista dos procuradores da Lava Jato, na semana passada. Foi uma entrevista muito adjetivada, que deu a impressão de ser uma conduta politica e não jurídica.
Tudo isso faz com que parcela expressiva da comunidade jurídica receie que esses processos acabem não terminando bem.
Viomundo – O que significa não acabar bem?
Pedro Serrano — Que sejam processos que não respeitem as garantias e as determinações constitucionais. Processos que levem a condenações injustas ou inadequadas. Ou sem observação dos direitos dos réus. Isso é muito preocupante.
Viomundo — Que o Lula acabe preso?
Pedro Serrano — O problema não é o Lula ser ou não condenado. Se tiver cometido um crime e isso for provado, ele, como qualquer cidadão, tem que se submeter à condenação penal.
O problema é o Lula ser condenado sem a observação estrita dos seus direitos e garantias fundamentais. Sem que haja provas adequadas, consistentes de que ele praticou um delito.
Viomundo – Se isso ocorrer?
Pedro Serrano – Caso ele seja condenado sem provas ou sem garantias fundamentais, será uma medida de exceção e não uma medida de Direito do Judiciário. Esse é o receio que todo mundo tem.
Há receio de que o Lula acabe sendo condenado como uma função política e não como uma função jurídica. Quer dizer, seja condenado sem provas, sem os seus direitos salvaguardados. Esse é o receio.
Não significa que isso vá acontecer. A questão é está havendo abusos no processo. E isso está nos chamando atenção.
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*Fonte: Viomundo
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