Por Tarso Genro*
“Bastou o Presidente Fernando Henrique Cardoso entregar os
Ministérios dos Transportes e da Justiça para Eliseu Padilha e Iris
Resende e os peemedebistas fizeram as pazes com o Governo. O Presidente da
Câmara Michel Temer (PMDB-SP), Eliseu e o líder do PMDB na Câmara, Geddel
Vieira Lima, fecharam neste final de semana a estratégia para abafar o
escândalo das denúncias de compra de votos na votação da reeleição.” (Operação
Abafa, 19 de maio 1997, O Globo). O fim da “idade média” da corrupção no
Brasil, momento em que ela começa operar diretamente como um moderno partido
estatal da elite urbana empresarial-burguesa e dos resquícios
oligárquico-agrários dos fundões do Brasil, talvez esteja nesta data.
Fernando Henrique, Eliseu Padilha, Michel Temer, Geddel
Vieira Lima, destacam-se nesta matéria de vinte anos atrás. Não é correto, para
fazer um debate de fundo sobre a crise institucional que vivemos, simplesmente
trocar a acusação de lado e dizer que a fonte primária da corrupção no país,
nos últimos vinte anos, está exposta na nota referida. Nem dizer que os
personagens, ali mencionados, foram complacentes ou sujeitos ativos na referida
mercantilização dos votos para a reeleição, pois isso seria atribuir-lhes um
delito de tal magnitude que poderia transitar, a acusação, para uma
irresponsabilidade política.
Não se pode negar, porém, que esta informação deita luz
sobre a República que nos abriga: sobre as delações premiadas, sobre os
vazamentos seletivos, sobre o reforço da “exceção” e sobre os fatos -ora
abertos ao público- que redesenham a figura do Senador Aécio Neves. Esta
informação explicita a derivação golpista da trajetória de Fernando Henrique,
ora em curso, e mostra a existência de um grupo orgânico, permanente, tanto de
aventuras não republicanas, como de cumplicidade em propósitos, à margem ou
dentro da legalidade formal, para liquidar Lula e atribuir ao PT -apoiados
pelos moralistas de opereta- todos os males da nação.
A tutela do oligopólio da mídia sobre o discurso do grupo
dominante começou a fraquejar. O aparato de Estado -Polícia Federal, MP,
Judiciário, está “sem controle”, como agora vem dizendo juristas de direita,
dirigentes liberais e corruptos flagrados. Mas o que eles querem dizer é outra
coisa: o aparato deixou de ser controlado para atuar numa só direção e começou
-a partir do movimento de inércia das suas funções originárias- a se aproximar
dos quintais políticos exclusivos do conjunto das classes dominantes. A
arrogância do Senador Aécio — flagrada na conversa com seu associado político
Zezé Perrela — tem um grau de delírio só mais elevado do que as suas primeiras
explicações sobre os dois milhões, solicitados ao grupo JBS.
Ao apresentar o seu livro “História da Filosofia Política
Moderna – o Poder”, seu autor, Giuseppe Duso lembra que “a partir do surgimento
da ciência política moderna acontece uma ruptura decisiva, com relação ao
pensamento anterior, sobre a ação dos homens” (…), pois, “é elaborado um
conceito de poder, ou seja, a obrigação política, como se costuma entendê-la:
capaz de implicar, em outras palavras (no reconhecimento de) uma força própria
do corpo político, superior àquela de todos os indivíduos, uma força que é a
garantia da paz, justamente porque todos lhe estão submetidos.”
Atualmente a “força própria” do “corpo político superior”, que se
submeteu de forma permanente a uma direção política que está fora do corpo
“soberano” -o povo- já perdeu todos os restos da sua legitimidade.
O país assiste atônito o que ocorre com uma velocidade
política impressionante: a Globo, que colocou Temer no poder, quer a sua
renúncia; Gilmar Mendes um ator político permanente quer reconstitucionalizar
as decisões do Supremo; o PSDB e Fernando Henrique querem manter Temer e não
perder o “controle da situação”; as reformas ameaçam o Estado Social, na
expectativa de serem votadas por um Congresso de investigados e denunciados;
fala-se, à boca pequena, nos partidos majoritários, na possibilidade
manipulatória de um candidato “único” pela via indireta, o suicídio da
democracia. O país dessangra na recessão e no desemprego.
Só a reativação da soberania popular por eleições diretas,
criará um corpo político legitimado para garantir um mínimo de paz. Não a paz
do infortúnio e da fatalidade submissa, mas aquela que vá emergindo, serena e
fortalecida, pela voz direta do povo.
.oOo.
*Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do
Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e
Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
-Via Sul21