Por
Selvino Heck*
Sou
do tempo em que João Pedro era apenas João Pedro, sem o Stédile, Olívio sem o
Dutra, Miguel sem o Rossetto, Tarso Genro apenas Tarso. Mas isso faz muito
tempo.
Conheci
João Pedro, ou Stédile, nos idos de 1973. Ele era estudante de Economia da
PUCRS em Porto Alegre, à noite, eu de Teologia, de manhã, mesmo prédio. E o
conheci de uma maneira hoje inimaginável. Escrevo desde sempre, em especial
poesia, e era o responsável pelo mural da Faculdade, onde cada um publicava
seus escritos ou expressava suas bobagens (eu tinha feito o mesmo no saudoso O
Observador, no Seminário Seráfico de Taquari, RS).
Dia
11 de setembro de 1973 (ou 12, ou 13) publiquei um poema em homenagem a
Salvador Allende, ‘suicidado’ pelo golpe militar. João Pedro leu o poema,
gostou, encontramo-nos nos corredores da Universidade, juntamos um grupo de
companheiras e companheiros para atuar no movimento estudantil da PUCRS, então
altamente conservador. Em 1974, ele terminou o curso de Economia, foi fazer
pós-graduação na UNAM, México.
Continuei
nas lutas estudantis, tornei-me Representante dos alunos da Teologia junto à
direção da Faculdade e Representante Geral dos alunos da PUCRS junto à Reitoria
pelo DCE. Resultado: no segundo semestre de 1975, fui suspenso por um mês da
Universidade e no início de 1976 foi negada minha matrícula na Teologia e
Letras. Era uma forma de expulsão. Não foi preciso usar um Decreto de expulsão
sumária da ditadura militar, o 477 (a ‘expulsão’ custou-me a negação da
ordenação para padre no final de 1976, por decisão de D. Vicente Scherer).
No
retorno de João Pedro do México, reencontramo-nos, eu, frade franciscano,
morador nas vilas populares da Lomba do Pinheiro, e atuando nas Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), pastorais sociais e movimento comunitário, ele tornando-se
assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Mais tarde, fiz parte da direção
estadual e nacional da Pastoral Operária (PO), quando se aproximaram as lutas
sindicais do campo e da cidade, as mobilizações urbanas e rurais, a construção
de movimentos sociais como o MST. Estivemos no Encontro da Articulação Nacional
de Movimentos Populares e Sindicais (ANAMPOS) em Taboão da Serra, SP, no início
dos anos 1980, com Lula, Olívio Dutra, Frei Betto e outros, onde assentaram-se
as bases da articulação do movimento sindical com os movimentos sociais do
campo e da cidade das pastorais populares, futura construção da CUT e da
Central de Movimentos Populares (CMP), e na construção e direção do Partido dos
Trabalhadores.
Em
1983, com outros companheiros e companheiras, fundamos uma ONG para fazer
formação (educação popular), apoiar os movimentos sociais urbanos e rurais e
oposições sindicais do Sul do Brasil, chamada CAMP – Centro de Assessoria
Multiprofissional -, em atuação ainda hoje. O MST estava surgindo: ocupações,
acampamentos (Encruzilhada Natalino), mobilizações, lutas. A Secretaria do MST
funcionava dentro da sede do CAMP.
2015.
Circula nas redes sociais um anúncio, com foto: “PROCURADO- Líder do MST –
Inimigo da Pátria (vivo ou morto). Denuncie – Recompensa: R$ 10 mil.”
O
‘procurado’ é João Pedro Stédile, ‘o maldito, o insuflador das massas, o
ideólogo dos sem terra e da esquerda, o amigo de Lula e Fidel, o perigo
vermelho’.
Joao
Pedro é gremista (como eu; frequentemente cita o Grêmio em palestras e
discursos), cristão (foi recebido pelo Papa Francisco em encontro com
movimentos sociais em Roma), como descendente de italianos gosta de vinho, como
gaúcho de churrasco, e de boas piadas e risadas. É comprometido desde sempre
com os mais pobres, os lascados da história. Está do lado dos sem-terra, sim,
que lutam pela terra, e a conquistam, e a plantam com sabedoria e, com os
agricultores familiares, põem 70% dos alimentos na mesa de brasileiras/os, cada
vez mais sem venenos e agrotóxicos. Os sem-terra são conscientes. Sabem o que
querem, sabem seu projeto de Brasil, que não é o dos poderosos, não é o dos
dominadores, não é dos que querem entregar a Petrobrás ao capital privado e/ou
estrangeiro.
João
Pedro teve, tem voz forte e não tem medo de dizer o que pensa, como líder, como
pensador, como grande estrategista e orador. É, sim, recebido e ouvido por
presidentes como Lula, Dilma, também por Itamar e Fernando Henrique, e pelo
papa Francisco.
Estes
são os motivos pelos quais é ‘procurado’, proclamado ‘inimigo da Pátria’ e
jurado de morte. Porque defende e é líder de pobres e trabalhadores, porque
fala a verdade, porque não se curva ao poder, porque luta pela justiça, pela
liberdade, pela democracia, pela igualdade. Quem não consegue enfrentá-lo na
luta de massas e nas ideias, só tem um jeito: eliminá-lo, imaginando excluí-lo
da história.
Não
conseguirão, porque atrás e à frente de João Pedro tem milhares, tem milhões:
sem terras, agricultoras/es familiares, assentadas/os da reforma agrária,
pescadoras/es, catadoras/es, seringueiras/os, metalúrgicas/os, mulheres,
jovens, quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco, safristas, pedreiros,
lutadoras e lutadores da justiça e da liberdade.
‘Procurar’
João Pedro é procurar estes milhões que historicamente foram deserdados, mas
hoje levantam a cabeça, não mais se curvam dizendo amém, estão sonhando, têm
esperança!
*Selvino
Heck é ex-deputado estadualpelo PT/TS; é Assessor Especial da Secretaria Geral
da Presidência da República.
Fonte
Sul21 - http://www.sul21.com.br/
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