É preciso
desconstruir os estereótipos sobre quem são estes adolescentes de 16 a 18 anos
e todos os argumentos que manipulam demagogicamente o medo legítimo existente
na sociedade em relação à violência. Um medo amplificado artificialmente que
coloca nas costas dos jovens e adolescentes uma falsa responsabilidade pela
violência
Por Atila
Roque, diretor executivo da Anistia Internacional*
Desde a
democratização, o Brasil vem avançando na aquisição e manutenção de direitos
humanos. É verdadeiro dizer que, muitas vezes, o progresso anda a passos
lentos, porém, firmes. No entanto, a eleição do Congresso mais conservador
desde a ditadura militar nos coloca diante de um perigoso retrocesso. A redução
da maioridade penal talvez seja o mais escandaloso e recente exemplo.
É preciso
desconstruir os estereótipos sobre quem são estes adolescentes de 16 a 18 anos
e todos os argumentos que manipulam demagogicamente o medo legítimo existente
na sociedade em relação à violência. Um medo amplificado artificialmente que
coloca nas costas dos jovens e adolescentes uma falsa responsabilidade pela
violência. Afinal, são estes jovens (16 a 18 anos), responsáveis por menos de
1% dos crimes cometidos no Brasil, que, dia após dia, são relegados à margem da
cidadania, cujos direitos humanos fundamentais como saúde, educação, cultura,
moradia, esporte e mobilidade são reiteradamente negados, os principais
acusados de alçar o crime a altos patamares no Brasil.
A resposta
das autoridades à crise da segurança pública não pode ser a redução da maioridade
penal. Estes jovens, geralmente negros, pobres e moradores de favelas e
periferias são as principais vítimas da violência.
Só em 2012
foram registrados 56 mil homicídios no Brasil. Em mais de 50% dos assassinatos
(30 mil), as vitimas foram jovens de 15 a 29 anos; 77% deles, negros. Dados do
Índice de Homicídios na Adolescência também mostram que mais de 42 mil
adolescentes de 12 a 18 anos poderão ser vítimas de homicídios até 2019. E a
curva de crescimento continua ascendente. Nos últimos dez anos, por exemplo, a
violência letal entre os jovens brancos caiu 32,3% e entre os jovens negros
aumentou 32,4%. Ou seja, os homicídios de jovens negros são um dos principais
pilares que sustentam o aumento da violência letal. O outro pilar é a
indiferença com a qual a sociedade e o Estado tratam essas mortes, como se já
tivessem passado a fazer parte da paisagem natural de nossas cidades.
Alguns
pensam: “O mundo é mesmo um lugar violento”. Não. Violento mesmo, atualmente, é
o Brasil. Somos responsáveis por mais de 10% dos homicídios do mundo. Como se
essas mortes fossem destino. Não eram. É uma escolha, um resultado das escolhas
que fizemos ou deixamos de fazer. A criminalização da pobreza e o racismo
operam reforçando-se mutuamente no discurso do ódio e do medo que colocam a
classe média na posição contrária à defesa de direitos previamente
conquistados. São eles os que mais temem a violência, apesar de não ser os que
mais sofrem com ela.
Contexto e
cenários
Este ano, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 25 anos. A legislação se
tornou uma referência internacional, entretanto ainda há hiatos na sua
aplicação. O que já é fato: o ECA prevê que a menor idade de responsabilidade
criminal é 12 anos. Entre 12 e 18 anos
estes jovens devem ser atendidos por um sistema de justiça juvenil, adequado a
seus direitos e características de desenvolvimento social e psicológico,
inclusive com a privação de liberdade como último recurso. O crime deve ser
punido, mas é preciso considerar as diferenças no desenvolvimento físico e
psicológico nos adolescentes em relação aos adultos.
Já o
sistema prisional do Brasil é um dos mais violentos do mundo. Somos o 4º país
em população carcerária, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. E as
condições são péssimas: de alojamento, de alimentação, de justiça. Ali as
pessoas são desumanizadas.
O sistema
de justiça e segurança pública no Brasil tem sido historicamente marcado por
uma distribuição seletiva da justiça e da impunidade. Um sistema altamente
ineficaz no combate à criminalidade, profundamente marcado pela violência
policial e com prisões conhecidas por suas condições medievais, como descreveu
o ex-ministro da justiça José Eduardo Cardozo. A redução da maioridade penal
resultaria em um maior encarceramento de adolescentes em um sistema prisional
já falido, superlotado, com claras evidências de maus tratos, condições
desumanas e práticas de tortura.
Além disso,
colocar os menores de 18 anos em privação de liberdade nas mesmas instalações
dos adultos deixaria esses jovens vulneráveis a abusos e aliciamento por parte
de facções criminosas organizadas dentro das prisões, comprometendo
dramaticamente suas perspectivas de reabilitação. O índice de reincidência de
egressos das prisões é muito maior do que o de reincidência de egressos do
sistema socioeducativo.
Ao reduzir
a maioridade penal, o Estado e a sociedade brasileira mandam um sinal de que
estariam desistindo de uma parcela de suas crianças e adolescentes, abrindo mão
de suas responsabilidades na educação e promoção dos seus direitos. A juventude
dos territórios periféricos e das favelas carece de oportunidades de acesso ao
lazer, cultura e educação, condições essenciais na construção de uma vida
plena, livre da violência. O potencial de criatividade, beleza e inteligência
existente nesses territórios precisa ser estimulado e apoiado, valorizando as
iniciativas já existentes e criando novas oportunidades. Isso deveria ser
prioridade.
Não se
promove justiça e segurança pública às custas da redução dos direitos daqueles
que mais necessitam do apoio e da solidariedade da sociedade, as crianças e
adolescentes em situação de risco. Isso seria um passo trágico em direção à
barbárie.
(Foto: Nair
Benedicto)
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