terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Talvez o último artigo do professor Vladimir, na Folha

 
O inimigo da moral

O maior inimigo da moralidade não é a imoralidade, mas a parcialidade.

O primeiro atributo dos julgamentos morais é a universalidade. Pois espera-se de tais julgamentos que sejam simétricos, que tratem casos semelhantes de forma equivalente. Quando tal simetria se quebra, então os gritos moralizadores começam a soar como astúcia estratégica submetida à lógica do "para os amigos, tudo, para os inimigos, a lei".

Devemos ter isso em mente quando a questão é pensar as relações entre moral e política no Brasil. Muitas vezes, a imprensa desempenhou um papel importante na revelação de práticas de corrupção arraigadas em vários estratos dos governos. No entanto houve momentos em que seu silêncio foi inaceitável.

Por exemplo, no auge do dito caso do mensalão, descobriu-se que o esquema de corrupção que gerou o escândalo fora montado pelo presidente do maior partido de oposição. Esquema criado não só para financiar sua campanha como senador mas (como o próprio afirmou em entrevista à Folha) também para arrecadar fundos para a campanha presidencial de seu candidato.

Em qualquer lugar do mundo, uma informação dessa natureza seria uma notícia espetacular. No Brasil, alguns importantes veículos da imprensa simplesmente omitiram essa informação a seus leitores durante meses.

Outro exemplo ilustrativo acontece com o metrô de São Paulo. Não bastasse ser uma obra construída a passos inacreditavelmente lentos, marcada por adiamentos reiterados, com direito a acidentes mortais resultantes de parcerias público-privadas lesivas aos interesses públicos, temos um histórico de denúncias de corrupção (caso Alstom), licitações forjadas e afastamento de seu presidente pela Justiça, que justificariam que nossos melhores jornalistas investigativos se voltassem ao subsolo de São Paulo.

Agora volta a discussão sobre o processo de privatização do governo FHC. Na época, as denúncias de malversações se avolumaram, algumas apresentadas por esta Folha. Mas vimos um festival de "engavetamento" de pedidos de investigação pela Procuradoria-Geral da União, assim como CPIs abortadas por manobras regimentais ou sufocadas em seu nascedouro. Ou seja, nada foi, de fato, investigado.

O povo brasileiro tem o direito de saber o que realmente aconteceu na venda de algumas de suas empresas mais importantes. Não é mais possível vermos essa situação na qual uma exigência de investigação concreta de corrupção é imediatamente vista por alguns como expressão de interesses partidários. O Brasil será melhor quando o ímpeto investigativo atingir a todos de maneira simétrica.

Artigo do professor Vladimir Safatle, da Filosofia da USP. Publicado hoje na Folha de São Paulo. 
*Via Blog Diário Gauche       http://diariogauche.blogspot.com/

2 comentários:

  1. Se for seu último post na Folha, será uma despedida com honra. Dentro do partidarismo que se instalou nas grandes mídias poucas vozes se levantaram para romper o silêncio em torno do livro de Amaury Ribeiro Jr. A grande imprensa que requer diariamente seu direito à liberdade de expressão nega a sociedade o direito a informação. Felizmente a informação deixou de ser privilégio de alguns emissores e a blogsfera ocupa cada vez mais um lugar que preenche essa lacuna de debate e informação, nos sonegada pelas mídias "oficiais". Minha indignação parte do fato de já ter lido o livro e digo com certeza deveria ser tratado como um documento a ser estudado e debatido pelos poderes e sociedade. O inimigo da moral talvez sejamos todos nós quando aceitamos as mazelas, quando deixamos de reivindicar o que é nosso por direito, quando não vamos as ruas protestar, quando nâo enviamos e-mails de contestação , quando não cobramos dos parlamentares que elegemos. As mídias são objeto de concessão pública, ou seja, um bem do povo outorgada pelo governo, tristemente controlada pela sede de poder.

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  2. A PARCIALIDADE É UMA IMORALIDADE.
    Froilam de Oliverira

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