Para acelerar inclusão produtiva, governo tenta 'quebrar culturas'
Abrir portas de 'saída' do bolsa família e 'entrada' no mundo do trabalho ou empreendedorismo exige novas mentalidades. Empresas cobram ensino demais em certas vagas, sindicatos temem que concorrência baixe salário, bancos públicos não fazem 'busca ativa' por microempreendedor. “Brasil sem Miséria tem de mexer com culturas. Mudá-las não é fácil”, diz diretor de ministério.
Brasília – Carta Maior - Depois de uma fase inicial de preparação em 2011, o governo quer fazer deslanchar, este ano, a parte do programa de combate à miséria que pretende criar condições para as pessoas viverem por conta própria, como empregadas de alguém ou com um pequeno negócio. O sucesso da “inclusão produtiva” depende, porém, daquilo que o próprio governo entende ser um grande desafio: quebrar culturas históricas de empresários, bancos, sindicatos e até dos próprios miseráveis.
Para induzir o auto sustento dos pobres, o plano oficial age em duas frentes. A pessoa pode se virar sendo assalariada, e para isso o governo tentará qualificá-la profissionalmente. Do total de 1 milhão de vagas neste ano do programa de bolsas de estudo em escolas técnicas (Pronatec), há uma cota de 300 mil só para quem ganha bolsa família. Até agora, 80 mil dos beneficiados já fizeram pré-matrículas e devem começar os cursos (há 189 disponíveis) entre março e abril.
A pessoa também pode querer ser microempreendedora (montando uma lojinha, por exemplo). Neste caso, o governo tem ações para ensinar-lhe noções mínimas de administração. E recursos em bancos públicos separados para financiar estas pequenas iniciativas a juros menores dos que os tradicionais.
A capacitação em gestão será feita pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), se a pessoa for dona única - há uma meta de atender 200 mil beneficiários do bolsa família até 2013. Ou pela Secretaria Nacional de Economia Solidária, se participar de uma sociedade, como uma cooperativa de catadores de lixo - meta de 20 mil treinamentos em 2012.
Os desafios se apresentam nas duas frentes, diz Luiz Muller (foto), diretor de Inclusão Produtiva Urbana, repartição do ministério do Desenvolvimento Social.
Se o miserável optar por ser assalariado, esbarrará em condições impostas pelo empregador, às vezes até em preconceito social.
Quando o programa de combate à miséria foi lançado, o governo anunciou junto um acordo com supermercados para que não se cobrasse, por exemplo, que um funcionário que abastece gôndolas tenha ensino fundamental ou médio. “Eu preciso convencer o empresariado que não pode mais fazer a exigência que andava fazendo do ponto de vista da escolaridade”, afirma Muller.
Essa tentativa de convencimento vem sendo feita em reuniões que acontecem pelos estados, nas quais o governo negocia com entidades patronais novas oportunidades de inclusão produtiva.
Paralelamente, tem havido diálogo também com sindicatos, pois, segundo Muller, muitos encaram a entrada de mais gente no mercado de trabalho como aumento da concorrência. Portanto, como ameaça de queda salarial. A reação contrária aos neo-incluídos poderia vir na forma de discriminação deles pelos próprios colegas. “A cultura do mercado de trabalho precisa ser reformada”, diz Muller.
Para facilitar a aceitação de uma nova cultura, o diretor diz nas conversas com sindicalistas que duas mudanças estruturais poderiam aplacar os temores. Redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. E implantação de uma regra da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que impede demissões sem justa causa, a convenção 158.
Ambas dependem do Congresso, que, com uma maioria de parlamentares empresários ou ligados ao setor patronal, dificilmente aprovaria. E, por isso, o movimento sindical reclama que o próprio governo, que ainda na gestão Lula pedira a aprovação da convenção 158, não pressiona o Congresso.
Para que o miserável opte pelo caminho assalariado, é necessária ainda uma mudança cultural dele mesmo. Muitas destas pessoas vivem de “bicos” e têm pouca noção do que é trabalhar no mercado formal, com carteira, patrão, horários. Mostrar-lhes que pode ser melhor para elas mesmas entrar na formalidade, é um desafio cultural.
Por isso, talvez as ações oficiais no front “empreendedorismo” possam ser mais bem sucedidas. Mas, aí, também há cultura a ser quebrada, diz Muller. E esta depende só do governo.
Os bancos públicos não estão preparados para emprestar pequenas quantias a pessoas muito pobres. Agem identicamente às instituições financeiras privadas, que durante muito tempo acomodaram-se ao lucro ganho sem esforço com investimento na dívida pública, em vez de correr atrás de clientes para empréstimos.
“O problema é cultura. Esse público [miserável] não vai aos bancos, ele precisa ser buscado”, diz o diretor. Segundo ele, Dilma tem pressionado Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia para que mudem de atitude e se esforcem para operar mais com microcrédito.
Para Muller, os desafios que ele encara em sua diretoria, que este ano levou 1% do orçamento de R$ 27 bilhões do programa guarda-chuva Brasil sem Miséria, é uma pequena amostra dos obstáculos ao plano de erradicação da pobreza extrema. “O Brasil sem Miséria tem de mexer com culturas. E mudá-las não é fácil.” (Por Andre Barrocal) http://www.cartamaior.com.br
Para induzir o auto sustento dos pobres, o plano oficial age em duas frentes. A pessoa pode se virar sendo assalariada, e para isso o governo tentará qualificá-la profissionalmente. Do total de 1 milhão de vagas neste ano do programa de bolsas de estudo em escolas técnicas (Pronatec), há uma cota de 300 mil só para quem ganha bolsa família. Até agora, 80 mil dos beneficiados já fizeram pré-matrículas e devem começar os cursos (há 189 disponíveis) entre março e abril.
A pessoa também pode querer ser microempreendedora (montando uma lojinha, por exemplo). Neste caso, o governo tem ações para ensinar-lhe noções mínimas de administração. E recursos em bancos públicos separados para financiar estas pequenas iniciativas a juros menores dos que os tradicionais.
A capacitação em gestão será feita pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), se a pessoa for dona única - há uma meta de atender 200 mil beneficiários do bolsa família até 2013. Ou pela Secretaria Nacional de Economia Solidária, se participar de uma sociedade, como uma cooperativa de catadores de lixo - meta de 20 mil treinamentos em 2012.
Os desafios se apresentam nas duas frentes, diz Luiz Muller (foto), diretor de Inclusão Produtiva Urbana, repartição do ministério do Desenvolvimento Social.
Se o miserável optar por ser assalariado, esbarrará em condições impostas pelo empregador, às vezes até em preconceito social.
Quando o programa de combate à miséria foi lançado, o governo anunciou junto um acordo com supermercados para que não se cobrasse, por exemplo, que um funcionário que abastece gôndolas tenha ensino fundamental ou médio. “Eu preciso convencer o empresariado que não pode mais fazer a exigência que andava fazendo do ponto de vista da escolaridade”, afirma Muller.
Essa tentativa de convencimento vem sendo feita em reuniões que acontecem pelos estados, nas quais o governo negocia com entidades patronais novas oportunidades de inclusão produtiva.
Paralelamente, tem havido diálogo também com sindicatos, pois, segundo Muller, muitos encaram a entrada de mais gente no mercado de trabalho como aumento da concorrência. Portanto, como ameaça de queda salarial. A reação contrária aos neo-incluídos poderia vir na forma de discriminação deles pelos próprios colegas. “A cultura do mercado de trabalho precisa ser reformada”, diz Muller.
Para facilitar a aceitação de uma nova cultura, o diretor diz nas conversas com sindicalistas que duas mudanças estruturais poderiam aplacar os temores. Redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. E implantação de uma regra da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que impede demissões sem justa causa, a convenção 158.
Ambas dependem do Congresso, que, com uma maioria de parlamentares empresários ou ligados ao setor patronal, dificilmente aprovaria. E, por isso, o movimento sindical reclama que o próprio governo, que ainda na gestão Lula pedira a aprovação da convenção 158, não pressiona o Congresso.
Para que o miserável opte pelo caminho assalariado, é necessária ainda uma mudança cultural dele mesmo. Muitas destas pessoas vivem de “bicos” e têm pouca noção do que é trabalhar no mercado formal, com carteira, patrão, horários. Mostrar-lhes que pode ser melhor para elas mesmas entrar na formalidade, é um desafio cultural.
Por isso, talvez as ações oficiais no front “empreendedorismo” possam ser mais bem sucedidas. Mas, aí, também há cultura a ser quebrada, diz Muller. E esta depende só do governo.
Os bancos públicos não estão preparados para emprestar pequenas quantias a pessoas muito pobres. Agem identicamente às instituições financeiras privadas, que durante muito tempo acomodaram-se ao lucro ganho sem esforço com investimento na dívida pública, em vez de correr atrás de clientes para empréstimos.
“O problema é cultura. Esse público [miserável] não vai aos bancos, ele precisa ser buscado”, diz o diretor. Segundo ele, Dilma tem pressionado Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia para que mudem de atitude e se esforcem para operar mais com microcrédito.
Para Muller, os desafios que ele encara em sua diretoria, que este ano levou 1% do orçamento de R$ 27 bilhões do programa guarda-chuva Brasil sem Miséria, é uma pequena amostra dos obstáculos ao plano de erradicação da pobreza extrema. “O Brasil sem Miséria tem de mexer com culturas. E mudá-las não é fácil.” (Por Andre Barrocal) http://www.cartamaior.com.br
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