A
repetição de um velho expediente da direita e de seu braço na mídia
Por Ignacio Godinho Delgado*1
Em 1945
o então Partido Comunista do Brasil (PCB) surpreendeu a todos, alcançando cerca
de 10% dos votos nas eleições presidenciais e elegendo 14 deputados e 2
senadores. Habilitava-se assim a canalizar na cena política e partidária o
movimento operário e parcelas expressivas da classe média e do “eleitorado
popular” brasileiro. Em 1947, teve seu registro cassado, em deliberação no
congresso em que não faltou o empenho do Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB,
criado por Getúlio Vargas exatamente para disputar o eleitorado popular urbano.
O mesmo
PTB, entre 1945 e 1964, assumiria de forma cada vez mais expressiva o papel de
canalização do eleitorado popular urbano, especialmente as parcelas integrantes
do mercado formal de trabalho e o movimento sindical. Com crescimento
expressivo em todo o período, segundo pesquisa IBOPE não divulgada à época, em
março de 1964, às vésperas do golpe militar, assistia-se a uma afirmação ainda
mais contundente do PTB, com o favoritismo de João Goulart nas eleições
presidenciais de 1965, caso não houvesse restrições legais à sua candidatura2.
O golpe de 1964 e, depois, o Ato Institucional Nº 2, que criou o
bipartidarismo, interromperam esta trajetória.
Mais à
frente, em 1978, a afirmação eleitoral do MDB levou o regime militar a
redesenhar o sistema partidário de modo a fugir da armadilha do bipartidarismo,
que tornava toda eleição plebiscitária. Registre-se, contudo, que o MDB não foi
proscrito, sendo substituído pelo PMDB, não conseguindo firmar-se como uma
alternativa capaz de canalizar a participação do eleitorado popular na cena
política brasileira. Faltava-lhe a raiz sindical e a identidade trabalhista.
O PT
acabou por firmar-se como herdeiro inesperado da tradição trabalhista, embora
nascido com uma postura crítica em relação ao PTB e ao PCB. Na década de 1990,
diante dos descalabros provocados pelas políticas neoliberais, com seu rosário
de desnacionalização, regressão social e perda da capacidade governativa do
Estado, reconciliou-se com a herança nacionalista de Vargas. No governo,
preservando o controle da inflação e incorporando os segmentos mais pobres da
população à política social, através de medidas como o Bolsa Família, forjou
uma vigorosa parceria entre os trabalhadores do mercado formal e os demais
segmentos do “eleitorado popular” brasileiro.
Por
isto o PT é objeto de combate sem tréguas da mídia e da direita. Tal como se
fizera com o PTB, o que se quer é, mais uma vez, estigmatizar as forças
políticas que conseguiram dar expressão ao eleitorado popular. Se este se
comporta com um padrão que Fábio Wanderley Reis denominou a “síndrome do Flamengo”,
identificando de forma elementar os polos do universo político entre o “povo” e
a “elite”, no caso do PTB e do PT tal inclinação afinou-se resolutamente com a
identidade trabalhista3. Na medida em que esta passa a abarcar também os
setores populares dissociados do mercado formal e do universo sindical, as
possibilidades de êxito eleitoral da direita restringem-se enormemente.
O jogo
da direita sempre foi, desde a UDN, entupir o debate político com denúncias de
corrupção, para ocultar o conteúdo antipopular e antinacional de seu projeto. É
indispensável apurar qualquer denúncia de corrupção, julgar quem for acusado e
punir os culpados, o que aliás tem sido feito com uma intensidade nunca antes
existente no Brasil, a partir da ascensão de Lula ao governo, em virtude da
criação de instrumentos como o Portal da Transparência, da Controladoria Geral
da União, bem como do fortalecimento das ações e da autonomia da Polícia
Federal e do Ministério Público. Contudo, se a preocupação real da direita e da
mídia fosse realmente a corrupção, para ficarmos nos casos recentes, a Lista do
HSBC e a Operação Zelotes (que alcançam nomes de peso da mídia e da direita),
deveriam receber na imprensa um peso igual ou maior que a Operação Lava Jato,
baseada em delações premiadas e seletivamente divulgada, para atingir apenas o
PT, embora alcance quase todo o espectro partidário brasileiro. Acontece –
- almeja a mídia e direita – que a Operação
Lava Jato pode ter como subprodutos o enfraquecimento da Petrobrás, a
dissolução do regime de partilha na exploração do Pré-Sal e o comprometimento
da força eleitoral do PT. Setores mais retrógrados, com forte viés fascista,
falam até em cassar o registro do partido.
Nada de
novo: trata-se de embaralhar o jogo e diluir a identidade alcançada pelo
eleitorado popular na cena política brasileira, com o propósito de alcançar na
marra o que não se consegue nas urnas.
1
- *Professor de História e Ciência
Política na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pesquisador do
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e
Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London
School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.
2 –
Sobre o crescimento do PTB no período e a pesquisa IBOPE, ver LAVAREDA, A.
(1991) A Democracia nas Urnas. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed. / IUPERJ. O dado
sobre a intenção de votos em Goulart, na mesma pesquisa, aparece em MAGALHÃES,
M. (2015) “Pesquisa Ibope de março de 1964 mostra que Jango mantinha alta
popularidade”. UOL. Blog do Mário Magalhães. Disponível em
http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2014/03/27/ibope-de-marco-de-1964-mostra-que-joao-goulart-mantinha-alta-popularidade/
Acesso em 15/04/2015.
3 –
REIS, F. W. (2000) “Identidade, Política e Teoria da Escolha Racional”. In
Reis, F.W Mercado e Utopia. São Paulo: Edusp, pp. 63-82.
Fonte: Blog Conversa Afiada www.conversaafiada.com.br
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