Golpe de 1964 faz 51 anos
Neste ano, ocorre o 51º
aniversário do golpe de 1964 que derrubou o presidente constitucionalmente
eleito, João Goulart (Jango), e instaurou a ditadura militar. Discute-se até
hoje por que a resistência para impedir o golpe foi pequena. É impossível entender
essa questão sem se avaliar a política traidora do Partido Comunista Brasileiro
(PCB), então principal partido da classe trabalhadora.
O golpe foi orquestrado pelo
imperialismo estadunidense desde 1961 (governo Kennedy e depois Johnson) como
se sabe hoje em reação a uma crise revolucionária no país forjada pelas
mobilizações das massas. A ação foi articulada não apenas pela cúpula militar,
mas também por empresários, latifundiários, a igreja e a mídia. Todos temiam o
avanço popular num quadro continental marcado pela revolução cubana de 1959.
No Brasil do início dos anos 60,
trabalhadores faziam inúmeras greves, camponeses mobilizavam-se pela reforma
agrária “na lei ou na marra”, soldados e marinheiros rebelavam-se contra a
hierarquia militar. Faltava ao movimento, porém, um elemento central:
organização independente.
O PCB era uma organização
stalinista, empenhada em manter a ordem mundial negociada entre o imperialismo
e a burocracia que dirigia a União Soviética. No caso brasileiro, isso
significava não abrir uma perspectiva de organização para as amplas massas.
Embora sem existência legal, o
PCB atuava abertamente e dirigia importantes sindicatos. Mas não lutava pela
independência sindical. Não questionava a estrutura sindical inspirada no
fascismo criada no primeiro governo Vargas. Nos sindicatos, aliava-se aos
pelegos do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o mesmo partido de Jango, para
frear as mobilizações e colocá-las a reboque do governo.
Coerente com sua busca permanente
por “alianças” com uma inexistente burguesia nacional progressista, o PCB
recusava-se a constituir-se plenamente como partido do proletariado. Não
oferecia um canal para que a classe operária pudesse organizar-se no seu
terreno próprio, desde as bases, por suas próprias reivindicações.
Contentava-se em atuar com o PTB e influenciar, por cima, o governo de Jango.
Poucas semanas antes do golpe, Luiz Carlos Prestes, principal dirigente do PCB,
afirmava: “Já estamos no poder, embora ainda não tenhamos o governo nas mãos”.
Grandes mobilizações
Apesar do stalinismo, os
trabalhadores realizaram grandes mobilizações nesse período. As condições
objetivas levavam a isso: o aprofundamento da penetração imperialista durante o
governo de Juscelino Kubitschek (1955-1960) piorou ainda mais as condições de
vida. A inflação crescia, assim como a dívida externa, e inúmeras conquistas
trabalhistas sofriam golpes.
O número de greves realizadas foi
ascendente: das 15 de 1955, chegou se a 70 em 1960, sendo que em 1959 houve
duas greves gerais em São Paulo e uma outra em 1960. Em 1961 houve 105 greves;
em 1962, 123, sendo uma delas nacional. Em 1963 foram 152 greves. Toda essa
mobilização combinava-se com ocupações de terras em vários Estados.
Jango era vice-presidente em
1961, quando ocorreu a renúncia do presidente Jânio Quadros. Setores mais
reacionários da burguesia não aceitavam a posse de Jango. Uma mobilização semi
espontânea – a Rede da Legalidade – comandada e até armada por Brizola, então
governador do Rio Grande do Sul, exigiu a posse de Jango. Mas, ela foi
“negociada” com os militares com a introdução do sistema parlamentarista, onde
a chefia de governo ficava a cargo de um primeiro-ministro.
Em 1963, um plebiscito aprovou
com mais de 80% dos votos o retorno do presidencialismo o que, nas condições,
ensejou uma radicalização da massa popular que se sentiu vitoriosa. Em
setembro, a “revolta dos sargentos” por questões profissionais e democráticas
ocupou pontos de Brasília contra a decisão do Supremo Tribunal Federal de
mantê-los “inelegíveis” impedindo a posse de eleitos. Governando em meio a um
grande embate entre as massas e a classe dominante – onde se incluía a cúpula
das Forças Armadas ligada ao imperialismo – o novo presidente tentava se
equilibrar.
Em 1963, Jango apresentou o Plano
Trienal: medidas que atacavam as condições de vida do povo, numa tentativa de
obter apoio à direita. Mas o setor majoritário da burguesia não confiava em sua
capacidade de deter as massas. Jango manobrou então à esquerda, agitando as
“reformas de base” (como a reforma agrária).
Mas, enquanto os trabalhadores
realizavam greves, o PCB, controlando os organismos intersindicais de cúpula –
Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), Pacto de Unidade e Ação e vários
sindicatos rurais – simplesmente pressionava o Congresso e o presidente para
que realizasse as “reformas de base”.
O grupo de Julião que controlava
as Ligas Camponesas assim como a ala nacionalista-revolucionária do PTB ligada
a Brizola, apesar do discurso mais combativo (corretamente chegou a falar de
uma Constituinte) tampouco organizaram o povo trabalhador.
Ausência de organização
O país sofria com a carestia que
minava as conquistas salariais. Havia desabastecimento. A mídia e a Igreja
acentuavam o descontentamento da classe média, principalmente.
No comício de Jango na Central do
Brasil, no dia 13 de março de 1964, o presidente, pressionado contra as cordas,
assinou vários decretos “populares” tardios em busca de apoio. Como o golpe
militar já estava em marcha dentro e fora do país desde o semestre anterior a resistência,
naquele momento possível, devia integrar a autodefesa entre as medidas de
organização.
Mas, tanto os setores no governo
como o PCB confiavam num mítico “dispositivo militar” de Jango apoiado na
hierarquia dos generais leais que, depois, viu-se que não existia.
A “Marcha da Família com Deus
pela Liberdade”, puxada pelo clero, governadores, empresários e políticos, com
centenas de milhares em São Paulo e outras cidades, ajudou a criar o clima de
busca desesperada de solução na classe média.
Entre os trabalhadores, nenhuma
medida concreta de mobilização.
Enquanto os golpistas das Forças
Armadas, àquela altura, já agiam abertamente com apoio da embaixada dos EUA e
da CIA os setores populares eram embalados a confiar no “dispositivo militar”
de Jango.
Quando o governo foi derrubado
veio junto a desmoralização. O CGT e os sindicatos não haviam organizado de
fato uma greve geral ou medidas amplas de reação.
Houve resistência, mas
desarticulada, sem coordenação. Milhares de marinheiros e soldados, centenas de
milhares de trabalhadores com seus sindicatos, nas ligas camponesas no Nordeste
e nas organizações estudantis poderiam resistir se houvesse uma direção
disposta a unificar de forma independente seus movimentos desde antes. Quanto
ao PCB, depois desta traição nunca mais se levantou.
*Por Cláudio Soares e Markus Sokol
Fonte: http://otrabalho.org.br/ - artigo originalmente publicado no
jornal 'O Trabalho', edição nº 763 de 31 de março.
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