Eduardo Guimarães* escreve:
Dia desses desfrutei de
jantar com um dos maiores jornalistas que conheço, um humanista, dotado de
cultura e vivência enormes, um idealista sobre quem mais não falo porque sua
identidade não importa, mas, sim, o que pensa. E o que pensa, particularmente sobre
este que escreve, ilustra um fenômeno da ideologia política brasileira: a falta
de foco.
Vale dizer que ao menos essa
pessoa tem o mérito de acreditar no que diz, ao contrário de muitos que dizem a
mesma coisa sem acreditar em uma palavra.
Fui criticado por ser “muito
governista”, como se apoiar um projeto político como o do PT para o país fosse
crime ou, na melhor das hipóteses, uma conduta ilógica em um país em que a
esmagadora maioria apóia o governo com fervor.
O coração dessa pessoa, vale
explicar, balança entre o PT e o PSOL – ao menos no discurso.
O que mais me espanta quando
a direita e uma suposta “esquerda” atacam o que chamam de “governismo” é a
distância que essa gente mantém em relação à realidade de grande parte do povo
brasileiro, que, por séculos, permaneceu alijado da menor expectativa de vencer
na vida no país que, ao longo do século XX, ostentou o título desonroso de ser
o país virtualmente mais desigual do mundo.
Assim foi até que Lula
chegasse ao poder. O Brasil era o terceiro ou o quarto país em pior colocação
no índice de Gini, escala pela qual a comunidade das nações mede a concentração
de renda nos países e que, em geral, é desconhecida por esses que se espantam
com o que chamam de “governismo”. Hoje, somos o 12º país mais injusto.
A situação atual do Brasil é
uma tragédia no que diz respeito à desigualdade. Mas para o país que, por seu
estágio de desenvolvimento, era o mais desigual apesar de ser o terceiro na
escala de Gini, melhoramos de forma quase inacreditável.
Vale explicar que ontem,
como hoje, os países mais desiguais que o Brasil são todos países pobres, sem
recursos, da África e América Latina, muito diferentes do nosso, rico, em
franco desenvolvimento, o que torna sua situação única do mundo, pois não há
país em nosso estágio de desenvolvimento que seja tão desigual, mesmo após a
distribuição de renda da era Lula.
Durante a era FHC, quando
houve alguma redução da pobreza, nunca dei bola para a exaltação que a imprensa
fazia de suas políticas sociais tímidas e cosméticas – nas quais punha alguns
trocados de dinheiro público – porque o principal não melhorava. A renda
praticamente manteve a mesma concentração durante os oitos anos daquele governo
de triste memória.
A chegada de Lula ao poder,
porém, inaugurou uma era nova no Brasil: estamos distribuindo renda como nunca
antes na história deste país.
A redução consistente da
desigualdade durante os governos Lula e Dilma me autoriza a apoiar o projeto de
país em curso porque atravessei a minha vida enxergando a mesma desigualdade
como a raiz de tudo o que há de ruim no país.
Violência, criminalidade,
ignorância, má condição da Educação, tudo isso é conseqüência da pobreza, sim,
mas, acima de tudo, tem origem na desigualdade. Essa é a mola-mestra de todos
os nossos conflitos e mazelas sociais e a âncora pesada que nos impede de
deslanchar também pelos mares do desenvolvimento econômico e tecnológico.
Querem uma crítica
consistente ao governo? Façam-nas. Há muitas.
Não sou muito dado a bater
no governo porque já tem gente demais fazendo isso – a hiper-mega-blaster mídia
tucana faz isso o tempo todo usando os argumentos de pseudo esquerdistas que se
recusam a ver o processo distributivo de renda em curso no país enquanto acham
que estão sendo muito corajosos ao se oporem ao que está dando certo.
Contudo, aí vai uma crítica:
o governo não vai acabar com a pobreza extrema porque as famílias não ganharão
um pouco abaixo de um padrão ridículo de renda, pois continuarão vulneráveis e
a menor oscilação da economia as devolveria ao padrão anterior. Além do que,
continuarão sem os elementos que poderiam fazê-las sair de fato da miséria –
educação, saúde etc.
O governo, em vez de ficar
nessa de que vai acabar com a miséria, poderia se concentrar mais no que
importa, que é a distribuição de renda.
Seja como for, nunca
redistribuímos renda no Brasil como agora. Durante a ditadura, o governo e a
mídia diziam que era preciso primeiro fazer o bolo crescer para depois
dividi-lo. A ditadura acabou e muitos dos que lutaram contra ela mantiveram
esse discurso até hoje. Mesmo quando não assumem isso.
Quem prega redução de gastos
do governo durante crises, por exemplo, está defendendo que os pobres paguem
mais por elas, pois sem os investimentos estatais a economia não funciona em
momentos de ojeriza do empresário ao risco e, assim, há demissões e
achatamentos salariais. Isso é histórico. Todos os que têm mais de trinta e
cinco ou quarenta anos sabem.
O que acontece é que para
redistribuir renda no Brasil sem fazer uma revolução armada é preciso não
esquecer que este ainda é um país capitalista. E para redistribuir alguma
coisa, você tem que tirar de alguém para dar a alguém. É por isso que o projeto
de país em andamento incomoda a tantos.
A despeito disso, o fato
inegável por qualquer critério, e que a direita midiática e sua esquerda de
estimação não enxergam, é que, nos dez anos de governos Lula e Dilma, os ricos
ficaram menos ricos e os pobres, ficaram menos pobres. Ou seja: estes tiraram
daqueles.
Só que isso foi feito de uma
forma fantástica, genial, porque os ricos têm parte menor de um bolo maior. Ou
seja: fizemos o bolo crescer e depois redistribuímos exatamente como queria a
ditadura, mas fizemos de fato e não apenas no gogó. O processo ocorreu em
poucos anos, ao longo da década passada. Ou seja: paramos de postergar essa
estratégia ao infinito.
Não foi por outra razão que,
na década passada, o acesso de pretos e pardos ao ensino universitário
simplesmente triplicou no Brasil, ainda que não seja suficiente. E, enquanto
isso, a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA ) dá conta de que o
Brasil é hoje o 2º no mundo em aumento no transporte de passageiros.
Clique Aqui para ler mais.
*Editor do Blog da Cidadania
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