Por Paulo Pimenta*
Toda a vez que o debate
sobre os limites do humor emerge, a mídia – especialmente a brasileira – diz
que é preciso “ir até o fim” para se garantir a liberdade de expressão. “Não podemos recuar”, afirmam uns. “Não vamos
deixar nos intimidar”, dizem outros.
Mas dentro desse “limites do
humor” é comum vermos por parte da mídia uma naturalização da violência, da
cultura do machismo, da homofobia, do preconceito às minorias e intolerância às
diferenças. Será mesmo que essas “gracinhas” fazem parte de um script tão
inofensivo assim? Sabemos que não. O humor “apenas” por ser humor não está
desprovido de um caráter ideológico em seu conteúdo.
O deboche e menosprezo ao
negro só foi coibido a partir da lei que criminalizou o racismo no país. O que
hoje se repudia com veemência, as piadas contra negros, antes era aceito como
algo natural, que “fazia parte”.
Nesse mesmo contexto, está o
PLC 122/2006 que criminaliza a homofobia. Enquanto o Congresso se omite, parte
da mídia reforça em seus humorísticos uma cultura de que os gays são passíveis
de serem ofendidos e humilhados, quando deveria promover uma cultura que
negasse a discriminação e valorizasse o reconhecimento ao direito de sermos
diferentes uns dos outros.
Daí, alguns questionamentos,
qual o papel social da mídia com relação a esses temas? Não deve haver mesmo
limites para o humor?
É claro perceber que os
humorísticos da mídia brasileira, em grande parte, não buscam produzir uma
consciência crítica da nossa população em relação às minorias. Pelo contrário,
na medida em que eles reafirmam o preconceito, produzem um retrocesso no
pensamento coletivo, contribuindo para um sistema de diferenciação, segregação
e exclusão.
Mas, e quando a mídia passa
a ser o alvo das críticas ou piadas, ela mantém o mesmo argumento de que o
humor deve prevalecer a todo custo?
Claro que não.
Ela reage de forma
autoritária quando é zombada ou satirizada em razão de seus erros e,
especialmente, suas grandes fantasias jornalísticas. Rapidamente, ela age, seja
dentro do seu próprio campo ou indo até ao Poder Judiciário, para impedir
qualquer prejuízo a sua, já abalada, credibilidade.
A mídia é inteligente o
suficiente para saber que a quebra do monopólio da informação e uma opinião
naturalizada na sociedade de que ela combate a pluralidade de opiniões e
engendra todos os esforços na direção de um pensamento único, atendendo a seus
próprios interesses, ameaçaria também a hegemonia daqueles que a financiam.
Assim, a liberdade de
expressão da mídia brasileira é seletiva e covarde. É uma concessão para
poucos. A liberdade de expressão – não a que ela diz defender de maneira
hipócrita, mas a que põe em prática – gira para impedir que haja qualquer
retrocesso em um sistema arcaico de privilégios. Por isso, ela própria conhece,
mais do que ninguém, os limites dessa liberdade de expressão, até onde pode ir
e sobre o quê e quem falar.
A mídia brasileira sempre
esteve preparada, aparelhada e unida para manter o status quo e abafar as vozes
daqueles que discordam do projeto político e da agenda que ela própria tem para
o Brasil. Entretanto, ao que parece, a mídia brasileira demonstra dificuldades
para lidar com as críticas para além da sua seção de cartas do leitor, em que
ela exerce o filtro, tampouco como protagonismo possível que as novas tecnologias
têm permitido aos cidadãos e à sociedade civil de romper com lógica vertical da
comunicação.
Um episódio que ocorreu em
2010 nos dá a clareza de quão longe a mídia brasileira está disposta a ir para
calar os que fazem piadas com ela ou questionam sua hegemonia. Naquele ano, os
irmãos Lino e Mário Bocchini criaram o blog Falha de S.Paulo, de análises e
críticas satíricas a matérias e conteúdos veiculados no tradicional diário
paulista.
Imediatamente, 17 dias
depois, o jornal Folha de São Paulo obteve liminar e censurou o blog, que saiu
do ar. Além disso, os autores estão sendo processados pela Folha de S. Paulo.
Segundo os irmãos e
jornalistas Bochini, o blog Falha de S.Paulo está há mais de 4 anos censurado
por uma decisão judicial, movida justamente por um dos veículos que se diz
defensor da liberdade de expressão e que, ao lado de mais meia dúzia, forma o
oligopólio da comunicação no país.
Pois bem, estranho é o fato
desse oligopólio, que se autoproclama “guardião” e “defensor intransigente” da
liberdade de expressão, e está sempre tão disposto a levar os limites do humor
“às últimas conseqüências”, não enxergar o caso Folha versus Falha como
censura, já que cada vez que um veículo jornalístico tem sua atuação limitada
pela ação do Poder Judiciário fala-se em censura, e a grande mídia e a
Associação Nacional de Jornais (ANJ) bradam em favor da liberdade de expressão
no país.
É curioso também observar
que na época em que o caso Falha versus Folha ganhou repercussão, a MTV Brasil
em um de seus programas utilizou logotipo idêntico ao usado pelo Falha que
satirizava a Folha. Entretanto, nenhuma ação foi movida contra o Grupo Abril,
antiga proprietária da MTV Brasil. “Lobo não como lobo”, já diz um velho ditado
popular.
Recentemente, o recurso dos
criadores do blog Falha de S.Paulo chegou ao STJ. A pergunta é: Folha vai
manter sua posição de censura contra os irmãos Bochini, admitindo, então, que
há limites para o humor; ou vai rever sua posição, mesmo que judicialmente desfavorável
a si mesma? Talvez, para a Folha e para o oligopólio da mídia haja uma terceira
via, algo como “não façam comigo o que faço com vocês”. É possível.
Está claro que a Folha de
S.Paulo mira muito além dos irmãos Bochini. Insatisfeitos com a crescente
audiência de blogs noticiosos na internet – que impõem uma nova agenda à Secom
da Presidência da República com relação a “tal” mídia técnica – e decadentes em
sua credibilidade e alcance, Folha é a porta-voz da hora do oligopólio da
comunicação brasileira que busca intimidar e enfraquecer a blogosfera,
jornalistas independentes, tuiteiros que ousam interpretar nas entrelinhas da
imprensa e alertar, com posições críticas e contrárias, a insistente tentativa
de imposição de uma agenda neoliberal que a mídia tem para o Brasil e a
manutenção de um sistema de privilégios.
O recado está dado: “o
monopólio da informação e da livre manifestação do pensamento é nosso, e
qualquer tipo de crítica será censurado. E se possível, ainda queremos, buscar
uma indenização daqueles que insistirem em nos desafiar”.
O jogo é o mesmo, mas as
regras são diferentes. Nos editoriais impressos e eletrônicos continuaremos a
assistir ao mise-en-scene da defesa intransigente da liberdade de expressão,
mesmo que por trás das câmeras a pluralidade de ideias, que hoje transita,
especialmente, pela blogosfera, continue a ser combatida.
*Paulo Pimenta é jornalista
formado pela UFSM e deputado federal pelo PT do Rio Grande do Sul.
Fonte:http://www.viomundo.com.br/
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