Em editorial publicado na sexta-feira 2 de
janeiro, o jornal Zero Hora defende as primeiras medidas anunciadas pelo
governador José Ivo Sartori (PMDB), qualificando-as como “promissoras”.
Intitulado “Compromisso com a austeridade”, o editorial repete posições já
defendidas pelo veículo da RBS em governos anteriores do PMDB e do PSDB no
Estado:
“Endividada, com receitas insuficientes para
cobrir o seu próprio custeio, sem alternativas para compensá-las e sem limite
para novas operações de crédito, a máquina pública gaúcha não pode continuar
mais como um entrave para o crescimento. O Estado só terá condições de se
colocar de fato a serviço dos contribuintes se deixar para trás, e logo, essa
etapa de estagnação. E é improvável, quase impossível, que consiga isso sem um
ajuste rigoroso nas finanças”.
Nenhuma novidade exatamente. No início do
governo Yeda Crusius, o grupo RBS defendeu a política do déficit zero na mesma
linha do “ajuste rigoroso nas finanças”. Antes disso, o grupo midiático apoiou
editorialmente o governo “pacificador” de Germano Rigotto e o privatizador de
Antonio Britto. O que também se repete é a postura da RBS de não assumir
responsabilidade pelas posições que assume em inícios de governo, fazendo de
conta de que vive em um eterno presente iluminado portador da solução
definitiva para o problema das finanças do Estado. Tampouco há alguma
referência ao fato de que esse modelo de austeridade, baseado no corte de
gastos públicos, jogou a economia da Europa na estagnação e no desemprego.
O Estado alquebrado e ausência de memória
Em outro editorial, intitulado “O Estado
alquebrado”, publicado no dia 22 de agosto deste ano, ZH defendeu que o “o
colapso das contas públicas do Rio Grande do Sul decorre do acúmulo de
deficiências estruturais que os governantes se negam a enfrentar”. As causas
mais profundas dos problemas financeiros do Estado, acrescentou, “são
estruturais e se acumulam, sucessivamente, a cada governo”:
“A principal está nas deficiências de gestão
da administração pública, que colocam o Rio Grande do Sul entre os Estados
retardatários na adoção de reformas que resultem em austeridade, com a
adequação do tamanho do governo às demandas da economia, o enxugamento de
estruturas obsoletas e, por consequência, maiores ganhos de produtividade”.
A memória não parece ser o forte do
editorialismo de Zero Hora. O que o editorial de agosto apontou como “as causas
mais profundas” do problema e a receita para resolvê-lo já teriam sido
enfrentadas e resolvidas, segundo o próprio pelo jornal, em setembro de 1996
pelo governo de Antônio Britto (na época, PMDB). Entre os dias 20 e 22 de
setembro de 1996, o jornal Zero dedicou várias páginas, entre matérias,
colunas, anúncios e editoriais saudando o acordo da dívida firmado por Britto
com a União (governo Fernando Henrique Cardoso, na época) como a solução para o
problema da dívida do Rio Grande do Sul.
Na edição do dia 21 de setembro, a manchete
de ZH destaca: “Rio Grande liquida a dívida”. A principal foto da capa mostra
Britto e o então ministro da Fazenda Pedro Malan, sorridentes, comemorando o
acordo que, segundo ZH, estaria “limpando a ficha dos gaúchos”. Quem lê o
editorial de 2014, surpreende-se com a afirmação de que “nenhum governante
enfrentou até hoje os problemas estruturais”. Foi a própria ZH que afirmou, em
1996, que esses problemas tinham sido enfrentados pelo governo Britto. O
editorial de 22 de setembro de 1996 afirma:
“O refinanciamento da dívida do governo do
Rio Grande do Sul, cujo total chega a R$ 8 bilhões, mereceu consideração
especial (do governo FHC) por conta dos esforços do governo gaúcho para reduzir
os gastos de rotina na administração, em particular aqueles de pessoal. O Rio
Grande foi pioneiro na implantação de um programa de demissões voluntárias.
Ademais, o governador Antonio Britto vem
extinguindo, na medida do possível, cargos em comissão e cargos vagos com o
objetivo de enxugar uma folha que tem consumido em torno de 80% da receita
líquida. Outro fator importante, incluído nas exigências válidas para todas as
unidades federativas, é a disposição de privatizar empresas estatais“.
Com essas medidas e a renegociação da dívida
feita por Britto, o Rio Grande do Sul estaria, segundo ZH, “liberado para novos
empréstimos e investimentos”. O jornal comemorava nas manchetes da época: “Os
gaúchos limpam a ficha”, “Negociação acaba com o pesadelo dos juros altos”.
José Barrionuevo, principal colunista político do jornal na época, escreveu (na
edição de 22 de setembro de 1996):
“A renegociação da dívida obtida pelo governo
Britto liberta o Estado do maior obstáculo ao seu desenvolvimento (…) É uma
obra que restabelece o crédito e a credibilidade do Rio Grande, com reflexos
nas próximas administrações. Graças à reforma do Estado, considerada modelo
pela imprensa nacional, o RS é o primeiro a renegociar a dívida. Não poderia
haver data mais oportuna para o anúncio do que o dia em que se comemora a
Revolução Farroupilha”.
Como se sabe, ao contrário do que ZH
apregoou, o acordo da dívida feito por Britto não só não resolveu como acabou
agravando a situação financeira do Estado. Hoje, depois de pagar mais de R$ 15
bilhões, o Estado ainda deve cerca de R$ 47 bilhões.
Agora, no início do governo Sartori, mais uma
vez, Zero Hora faz de conta que não disse o que disse e que não defendeu o que
defendeu em governos anteriores como soluções definitivas para os problemas
financeiros do Rio Grande do Sul.
*Fonte: Portal PTSul http://www.ptsul.com.br/
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