sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Corte Europeia já pune “publicidade opressiva” como a usada contra Lula

Nilo
Imprensa e Justiça
Corte Europeia de Direitos Humanos já decidiu que a condenação de jornalistas por publicidade opressiva não viola a liberdade de comunicação
A centralidade que a questão criminal assumiu, visível nas altas taxas de encarceramento ou na criminalização do cotidiano privado e da vida pública, responde às transformações econômicas das últimas décadas.
Interessa-nos um aspecto dessa centralidade: a espetacularização do processo penal e os sérios danos que causa a direitos fundamentais e ao estado de direito.
A espetacularização do processo penal não é novidade. Na Inquisição, a colheita de provas e o julgamento eram sigilosos.
Falsas delações e torturas são eficientes na obscuridade; a festa era a execução da pena de morte.
Com a adoção da pena de prisão, a execução numa cela tornou-se uma rotina sem apelo jornalístico. O espetáculo deslocou-se para a investigação e o julgamento.
Basta ligar a TV à tarde: deploráveis reality shows policiais, nos quais suspeitos são exibidos e achincalhados por âncoras “policizados”. Diz a Constituição inutilmente que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, garantia repetida pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal.
Mas é no noticiário “sério” sobre inquéritos e ações penais que reside um grave problema, opondo a liberdade de comunicação à presunção de inocência e ao direito ao julgamento justo. A liberdade de imprensa geralmente prevalece sobre o direito à privacidade.
Contudo, quando o confronto se dá com a presunção de inocência e o direito ao julgamento justo, a solução é distinta, como se constata em países democráticos.
A Corte Suprema dos EUA manifestou desconforto por ter identificado “julgamento pela imprensa” e anulou condenações. Numa delas, registrou que “o julgamento não passou de uma cerimônia legal para averbar um veredicto já ditado pela imprensa e pela opinião pública que ela gerou”.
Alertou que o noticiário intenso sobre um caso judicial pode tornar nula a sentença e que a publicidade dos julgamentos constitui uma garantia constitucional do acusado e não um direito do público.
Na Europa, o assunto preocupa legisladores e tribunais. França e Áustria criminalizaram a publicação de comentários sobre prováveis resultados do processo ou sobre o valor das provas.
Em Portugal, a publicação de conversas interceptadas em investigação é criminalizada, salvo se, não havendo sigilo de Justiça, os intervenientes consentirem na divulgação: o sigilo de Justiça vincula todos aqueles que o acessarem a qualquer título.
A Corte Europeia de Direitos Humanos já decidiu que a condenação de jornalistas por publicidade opressiva não viola a liberdade de comunicação.
Não será por meio da criminalização da publicidade opressiva que se poderá reverter o lastimável quadro que vivemos, onde relações entre agentes do sistema penal e alguns jornalistas produzem vazamentos escandalosos, editados e descontextualizados, com capacidade de criar opiniões tão arraigadas que substituem a garantia constitucional por autêntica “presunção de culpa” e tornam impossível um julgamento justo.
Entre nós, existem casos em que todo o processo se desenvolve na mídia. Nesse cenário, pelo menos deveria ser exigido dos meios de comunicação aquilo que é exigido dos tribunais e das repartições públicas: obedecer ao contraditório.
Hoje, após a longa veiculação da versão acusatória, segue-se breve menção a um comentário do acusado ou de seu defensor, que frequentemente desconhece a prova já divulgada para milhões de telespectadores.
Se vamos persistir neste caminho perigoso — afinal, o sistema penal é historicamente um lugar de expansão do fascismo — pelo menos o contraditório obedecido pelos tribunais deveria ocorrer na mídia.
Se a autoridade policial ou o Ministério Público divulgar sua acusação por três minutos, o acusado ou seu defensor deveria desfrutar do mesmo tempo para falar o que quisesse em sua defesa. Já que o processo se desenrola na mídia, que haja pelo menos paridade de armas. A prática atual é abertamente antidemocrática.
Nilo Batista é professor de Direito Penal da UFRJ e da Uerj
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