sábado, 14 de janeiro de 2017

Livro sobre a brutal pena de exclusão imposta a Jango

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Por André Pereira, no Sul21* 

Corriqueira, a omissa indiferença da mídia comercial não me surpreende mais, e há muito tempo. Mas sempre é estranho perceber como a sonegação da informação é nociva até para o ajuste de contas com nossa história.
Assim, pois, nada li, vi ou ouvi no espaço das redes de comunicação, negócios e entretenimento, privadas ou concessionárias, sobre o livro “Jango e eu. Memórias de um exílio sem volta”, escrito por João Vicente Goulart, filho do presidente da República do Brasil, João Goulart, destituído do poder constitucional obtido nas urnas pelo golpe civil e militar desfechado em 1º de abril de 1964, pelos golpistas de sempre, ameaçados por reformas estruturais aos seus privilégios e à submissão entreguista aos Estados Unidos.
Participei na noite de terça-feira (10), do lançamento do livro na Livraria Cultura, no Shopping Bourbon, em Porto Alegre, com a presença da viúva de Jango, Maria Thereza Goulart e os dois dos seis filhos de João Vicente que conheço, João Goulart Neto e Cristhopher Goulart.
Na sinopse da obra, a Editora Civilização Brasileira resume: “Aos 7 anos, João Vicente, filho de Jango e de Maria Thereza, foi, junto com a irmã Denize, testemunha e vítima das circunstâncias que levaram a família ao exílio. Agora, mais de 50 anos depois, João recupera as memórias de um período turbulento, desde a vida no Uruguai, onde foi alfabetizado, até a idade adulta. Neste inventário afetivo da família Goulart, o registro histórico se relaciona ao pessoal. A incerteza, a falta de notícias, a difícil adaptação ao cotidiano uruguaio. O terrível momento no qual ficou claro que o golpe era muito mais do que uma quartelada – e que duraria décadas. O avanço dos governos totalitários nas Américas. O fim da relativa liberdade com a queda da democracia uruguaia, no início da década de 1970, e a subsequente mudança dos Goulart para a Argentina. Os encontros com Paulo Freire, Glauber Rocha, Juan Domingo Perón, entre outros amigos ilustres de Jango. Mais do que um livro de memórias escrito pelo filho de João Goulart, este é um valioso registro sobre as consequências da perda das liberdades individuais e um lembrete para ficarmos sempre atentos aos rumos políticos do país, de maneira a assegurar a manutenção da democracia”.
De fato, é incontestável a importância do testemunho histórico para o nosso país. Tem, sim, enorme dimensão e significado para a história recente do Brasil, sobretudo porque foi elaborado por quem vivenciou, de dentro da saga dramática, esta brutal pena de exclusão imposta ao presidente, que só terminou, 12 anos depois, com sua morte no desterro, longe da terra natal, em 1976 – três anos antes de ser concedida a anistia lenta e gradual em 1979.
E reconstrói a trajetória do país, iluminando um período que estava apagado por nossa desmemória oficial.
Tenho a impressão que a crueldade do exílio imposto pela ditadura está impregnada na alma da família Goulart como está impressa na nossa história mais triste e brutal. (Por isso pedi que dona Maria Thereza, em sua elegância eterna e refinada, de blusa verde e calça branca, colocasse seu nome de próprio punho junto com o do filho, na dedicatória do meu exemplar. Ela tinha 23 anos e dois filhos quando lhe suprimiram a cidadania brasileira em 1º de abril de 1964).
Ao não sonegar a trajetória invisível até agora, de um presidente brasileiro o livro resgata todo o padecimento mas também desvela a crença insuprimível em tempos melhores que acompanhava Jango nos últimos dias de uma vida interrompida pela doença ou por circunstancias nunca bem esclarecidas. Jamais abatido pela tristeza ou pela desistência.
Em uma carta trocada com o filho, poucos meses antes de morrer, ainda escrevia sobre esperanças em “um mundo novo, com novos horizontes, com novas concepções de vida e de seus semelhantes”.
João Vicente havia escrito: “meu pai, te cuida muito pois representas muito não só para nós como para muita gente que precisa de ti no futuro”.
Jango não teve futuro, mas deixou um legado imprescindível que, no tributo impresso do filho, podemos, agora, compreender ainda melhor.
Sobretudo, sobre traição, traidores, resistência e esperança.
.oOo.
*André Pereira  é jornalista. 

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