A porta de entrada: 519 mil lares voltam ao Bolsa Família em 2016
Desculpem, não vou fazer longas análises econômicas.
Basta a foto do Andre Coelho, de O Globo, com a descrição precisa da repórter Renata Mariz:
Pouco mais de um ano foi o tempo suficiente para Rosimaria Rodrigues de Santana Amorim deixar o programa Bolsa Família. Há quase uma década, ela deu “baixa” no cartão porque conseguiu emprego como auxiliar de serviços gerais. O marido, Wagner Amorim, também passou a trabalhar de ajudante de pedreiro com carteira assinada. A renda do casal que mora em Planaltina de Goiás, mais conhecida como “Brasilinha” devido à proximidade de 60 km com a capital federal, permitiu financiar uma casa popular, comprar móveis modestos, ter eletrodomésticos e fazer um agrado vez por outra para os dois filhos, que adoram pizza e sonham com um tablet.
Após o nascimento do mais novo, Enzo, de três anos, que tem crises de asma e fica frequentemente internado, Rosimaria saiu do emprego para cuidar do menino. O setor de construção e reforma ainda estava em alta e o salário do marido, em torno de R$ 1 mil, era suficiente para as necessidades da casa. Em 2014, porém, a firma onde Wagner trabalhava fechou. A família continuou vivendo dos bicos que ele arranjava com frequência. Mas, no fim do ano passado, até os serviços temporários sumiram. O jeito foi recorrer novamente ao Bolsa Família.
— Nunca pensei que a gente ia passar por essa situação. A crise chegou mesmo aqui em casa. O Bolsa Família é a nossa única renda desde setembro — conta Rosimaria.
Renata informa que a família formada por Rosimaria e Wagner é apenas uma das 519.600 que voltaram ao Bolsa Família, depois de terem deixado o programa. E que, em 2015, 1,2 milhão de famílias buscaram o Bolsa Família, ou 105 mil famílias por mês. “Em 2016, a média mensal bateu 141 mil, totalizando 1,6 milhão de famílias cadastradas ao longo do ano”, registra.
Esta pintura de André – digna de ilustrar clássicos como Germinal, de Zola, ou Humilhados e Ofendidos, de Dostoiévski – retrata a crueldade de ideias econômicas que apostam na recessão e no desemprego para “resolver” a crise econômica e a inflação. Seus algozes, com belos ternos, rostos escanhoados e diplomas de doutor em economia, dizem que fazem o “dever de casa” que lhes passaram, à custa de carne e dignidade de milhões de seres humanos.
Quem os sustenta este pensamento, não raro, chama a gente como Wagner e Rosimaria de “vagabundos” , que preferem o subsídio das bolsas a trabalhar. O Bolsa Família seria ruim, dizem, porque não oferece as tais “portas de saída”, as que o casal encontrou sozinho, quando havia emprego e produção. Mas não hesitam em escancarar as “portas de entrada” para que uma multidão – 519,6 mil famílias são 2 milhões de pessoas – ingresse no inferno da pobreza miserável.
Multidão da qual sairão milhares para mergulhar o país na violência e na criminalidade, que amotinarão presídios e a quem estes cínicos dirão: prendam mais, prendam todos.
Não se governa um país sem estômago, sem horror ao que vive seu povo, sem poder dar a mão a Wagner e Rosimaria e dizer: “vamos sair dessa, juntos”.
Não se dirige a economia com o desapreço ao ser humano que aquele professor aecista saudou o desemprego como coadjuvante da “salvação” do país.
A foto e a reportagem são um libelo, uma acusação se gruda à testa destes neoliberais monstruosos que não se importam quanto drama e sofrimento ficam no rastro de suas feitiçarias econômicas.
Não me ocorre, perdão, neste momento, usar a frase de Leonel Brizola e dizer que,um dia, cairá sobre eles a maldição dos pobres.
*Por Fernando Brito, Jornalista e Editor do Blog Tijolaço.
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