O Brasil tem avançado no debate das medidas para o combate à
corrupção. Eliminar o poder do dinheiro na política é um passo indispensável.
Por Jeferson Miola*
Nos círculos políticos brasileiros, o debate sobre a reforma
política está agendado a partir de um viés estranho – para não dizer sinistro.
Ilude-se quem pensa que a proibição do financiamento
empresarial de partidos políticos e de campanhas eleitorais – que está na raiz
da corrupção e da distorção da representação popular no Brasil – ocupa o centro
das prioridades.
Estranhamente, o debate sobre a reforma política está sendo
agendado com o objetivo de eliminar um dos únicos aspectos razoáveis do atual
sistema político, que é a representação proporcional das bancadas
parlamentares.
A eleição de parlamentares para o Congresso Nacional, para as
Assembléias e Câmaras Legislativas de acordo com a proporção de votos obtida
por cada partido político em cada eleição, é o princípio que melhor assegura a
pluralidade e a diversidade das correntes de pensamento que formam a paisagem
ideológica do país.
Por mais imperfeito que possa ser o sistema proporcional, e
por mais significativas que possam ser as idiossincrasias dele derivadas [como,
por exemplo, a atual hiperfragmentação parlamentar], sua eliminação
empalideceria a cor da democracia brasileira.
A distritalização é a proposta regressiva que agenda o
debate sobre a reforma política. Seus defensores – setores da oposição
conservadora, expoentes da própria base do governo e oligopólios midiáticos –
propõem a adoção de votos majoritários por distritos eleitorais [territórios
menores que Estados e Municípios] em substituição à eleição proporcional em
cada circunscrição eleitoral [Estados e Municípios].
Os distritos eleitorais fazem o Brasil retroagir ao sistema
binário da ditadura militar, com o agravante de paroquializar a representação
nacional. É uma dedução lógica: no distrito prevalecem as lógicas
clientelistas, imediatistas e localistas, em prejuízo de uma visão de conjunto
do país, dos seus problemas, dos seus desafios e das suas necessidades
estratégicas.
Não é só uma perda democrática. Acaba sendo, também, um
fator limitador do desenvolvimento nacional, uma vez que o pensamento político
médio não estará informado por uma perspectiva estratégica e de futuro do país,
mas sim da paróquia.
A proposta de distritalização da eleição é mais que
retrocesso; é diversionismo em relação à reforma necessária. A resposta dos
defensores da distritalização ao clamor público por moralidade e ética na
política diante da corrupção empresarial na Petrobrás – que corrompeu
inescrupulosos políticos e funcionários da empresa –, é desalentadora.
As eleições no Brasil são as mais caras do mundo; custaram
mais de 5 bi em 2014. A injeção de formidável fortuna é estimulada para uma
alquimia indecente que mistura dinheiro e política. Financiar campanhas de
políticos é um investimento com retorno certo aos financiadores, porém com
custo elevado para o erário e para a democracia.
O financiamento multimilionário de campanhas agride a
democracia, pois distorce a representação política, frauda a vontade popular e
torna injusta a competição eleitoral.
A eleição se converte em concurso de cartas marcadas: são
eleitos, na maioria, os candidatos financiados pelo poder econômico. A maior
parte da sociedade, composta pelos assalariados, setores médios, negros,
mulheres, jovens, fica sub-representada. Os empresários são menos de 3% da PEA,
mas estão representados com quase metade das cadeiras do Congresso; 85% da
população brasileira reside nas cidades, mas a bancada ruralista tem quase 30%
de representação parlamentar.
A relação entre dinheiro e sucesso eleitoral é automática: ¾
dos deputados eleitos para a legislatura conservadora presidida por Eduardo
Cunha foram eleitos com as campanhas mais caras.
O poder econômico, com sua capacidade de pressão e veto, não
só captura a agenda democrática, como condiciona a gestão do Estado. O domínio
dos capitais privados incentiva a compra de votos, os fundos ilegais, a
formação de patrimônio em paraísos fiscais, negócios ilícitos, chantagem por
cargos, dirigismo das licitações, favores públicos, propina, corrupção,
requerimentos parlamentares chantagistas.
Esta realidade desafia a democracia contemporânea. Faria bem
ao debate público brasileiro conhecer o processo em andamento no Chile, cujo
projeto do governo “contém diversas propostas para lutar de forma eficaz contra
os conflitos de interesses, o tráfico de influências e a corrupção” [documento
presidencial, disponível na internet].
É estranho – para não dizer sinistro – que, mesmo com a
aprovação pela maioria do STF da ADIN da OAB que proíbe o financiamento
empresarial das eleições, o pedido de vistas do Ministro Gilmar Mendes continue
trancando a decisão final do Supremo e, em consequência, impedindo a imediata
aplicação desta medida saneadora.
Eliminar o financiamento empresarial é fundamental, mas a
reforma política deve avançar também com o fim das coligações proporcionais, o
voto em listas e a limitação do número de mandatos eletivos – para eliminar os
defeitos do sistema proporcional.
O Brasil tem avançado no debate das medidas para o combate à
corrupção. Eliminar o poder do dinheiro na política é um passo indispensável
para que nossa democracia possa avançar na afirmação da República do Século 21.
*Jeferson
Miola (foto), integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto
Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial. (Postado originalmente na Agência Carta Maior)
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