sábado, 16 de maio de 2015

Poema nostálgico e etílico



*Para o amigo Holte Ramos de Oliveira (Didi), companheiro e protagonista deste poema;

*Para o amigo Danilo Nunes Neto, grande companheiro de viagem!


Poema nostálgico e etílico

Entre um gole e outro e
descobrindo a nós e ao mundo
entre um gole e outro de uísque com campari
e degustando a noite abrigados
no seio da Barbarella

Entre um gole e outro
e o xis completo
e Guevara com seu diário ensanguentado
e as revoluções que articulávamos
e que necessitávamos fazer
no país
no Mundo
e em nós mesmos

Entre um gole e outro
e muitos mais
e muitos porres etílicos
e mentais

Meu amigo e eu e às vezes
meia dúzia mais de convivas
divagando seriamente ou só
matando o tempo
nas mesas do bar simplório
mas tão aconchegante
ponto de encontro dos jovens notívagos interioranos

Noites longas que passavam
tão rápidas
no seio da Barbarella
jovens curiosos/audaciosos
preocupados ou não
com as questões do Espírito
e do Corpo
e alguns com o povo sofrido e suas mazelas
Jovens estudantes entupidos de sonhos e às vezes
de xis & uisque com campari
no seio caliente da Barbarella

II

Enquanto nas selvas de pedra das metrópoles
ou nas selvas espessas do Araguaia
alguns combatiam e muitos sucumbiam
e nem imaginávamos a forma
e de como se deram
seus estertores gloriosos
heroicos e obscuros
e a imprensa amordaçada ou cúmplice contribuia com a noite escura
que cobria o país
e de quase nada sabíamos

Enquanto a maioria preocupava-se com sua vidinha
sem sentido parasita egoísta e barata
novelas futilidades e futebol aos domingos

Enquanto na calada da noite
padres e freiras e artistas
eram sequestrados
e operários e estudantes resistindo
ou sucumbindo na clandestinidade e na tortura
a Guerra intestina insana e desigual
& o outro brasil dormindo às margens plácidas
sem escutar o brado retumbante
das vítimas civis trucidadas
nos subterrâneos funéreos doentios das câmaras
medievais verde-olivas

Enquanto em outro extremo do Planeta as rubro-negras & infernais
bombas e metralhas covardemente lançadas pelo império
recheadas de ódio e napalm
traziam o caos queimando a Terra
e as Carnes inocentes
chamas humanas correndo desesperadas em My Lai

E a fome & a Miséria reinando absolutas & trágicas
no Terceiro Mundo Negro Amarelo Mestiço
Ameríndio
e o os mesmos de sempre banqueteando-se
com o suor e o sangue de suas vítimas
(acusadora culpa pairando incisivamente no Espaço e no Tempo)

III

Noites de boemia
noites de Barbarella
período de gincanas bailes de formatura
amor/paixão às vezes arrasadoras e muitas outras
não correspondidas
& o tédio inquietando a alma
& os caminhos chamando ao desafio
do conhecimento & da aventura
as viagens de carona
os flagelos
as buscas
estradas tortuosas
trilhas na serra
rotas do mar
as areias de Tramandaí
acampamento hyppie barracas coletivas
solidariedade & cumplicidade
nas rochas de Torres & o mar & a lua
& e sol escaldante por testemunha
a feira de malucos na praça central de Curitiba
as selvas de pedra paulistanas e depois
a emoção de conhecer o Rio
Copacabana Ipanema Leblon
a Barra como destino e
rudimentar e perigoso abrigo noturno

A volta dificultosa
fome e frio nas estradas chuvosas
incipiente maturidade forjada na rebeldia e
no sofrimento

E tudo isso acontecendo dia-a-dia que representavam
meses eternos
anos que pareciam congelados
a impaciência juvenil elevada
à máxima potência

Condores sobre os Andes
Roncinantes oferecendo parceria para
o desafio
das estradas longas e misteriosas
promessas de aventuras
e o enorme mundo a descobrir

IV

'Companheiro, quem responderá nossas perguntas
nossas dúvidas atrozes que machucam
que subvertem a lógica conhecida
que torturam o corpo
& a alma
e que
como uma peste profana
atemporal
quase destroem nossas incipientes e frágeis
certezas outrora absolutas?
Onde encontrar o Fio da Meada da Verdade?
onde estará o Começo do Caminho?'

V

Entre um gole e outro e buscando descobrir
as Verdades tão palpitantes e latentes
trocando nas geladas noites de julho
o aconchego dos lares aquecidos
pelas intempéries das ruas molhadas pelo orvalho
e fustigadas pelo minuano e pela indiferença
geral

Meu amigo e eu e às vezes mais
meia dúzia de jovens camaradas
ou curiosos observando ou mesmo participando
de nossas parcas e imprecisas
mas cruciais discussões filosóficas/políticas/enciclopédicas
-sem ainda termos cruzado as Fronteiras dos Limites
-sem ainda termos comido o pó das Estradas do Inferno
-sem termos ainda sofrido o bastante e sabido
o quanto haveríamos e poderíamos
ainda suportar

VI

Assim aconteceu nos chamados 'verdes anos'
nem tão distantes - assim parece, agora -
meu amigo e eu
entre um gole & outro
de uísque com campari e discutindo
poesia/política/aventuras & rock in roll
naqueles idos de 70
descobrindo a Nós e ao Mundo
sob o olhar cúmplice e curioso
da insinuante garçonete morena
e prestativa

Sonhos & paixões
nas trilhas
nas estradas
nos corações & mentes
e nas mesas da Barbarella.

        Júlio Garcia in  http://arquipelago.blogspot.com.br/


*Este Poema relata episódios vivenciados pelo Poeta  entre os anos de 1974 e 1976

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