Por Juremir Machado da Silva*
Tenho perdido tempo na vida indo apenas uma vez por ano a Palomas buscar rastros da minha infância, essa infância que se incendeia na minha memória à medida que o presente se apaga e o futuro se aproxima. Tenho perdido tempo na vida lendo o noticiário político para ver se encontro uma declaração sincera e desinteressada sobre a realidade do país, esse país que amo como casa e critico como família. Tenho perdido tempo na vida olhando telenovelas que se repetem graças à nossa falta de memória enquanto o tempo passa perdendo o sentido e encontrando enormes buracos na fome de ser.
Tenho perdido tempo na vida deixando de ler poesia para trabalhar.
Tenho perdido tempo na vida tentando provar verdades que não tenho e nas quais nem creio. Tenho perdido tempo na vida buscando recompensas, reconhecimento e honrarias que se esboroam ao cair da tarde como lufadas de um vento inútil, tão inútil quanto pode ser o vento quando não estamos prontos para voar. Tenho perdido tempo na vida fazendo contas, preenchendo formulários, matando o tempo que deveria viver e calculando a aposentadoria com ou sem o fator previdenciário. Tenho perdido tempo na vida conversando nas redes sociais com amigos que não conheço e brigando com inimigos que não reconheço.
Tenho perdido tempo na vida escrevendo para não ser lido e lendo por não ter escrito aquilo que me fascina ou aperta o coração.
Tenho perdido tempo na vida pensando nas visitas que não fiz e que deveria fazer enquanto me culpo por não tê-las feito. Tenho perdido tempo na vida pensando nos rivais que deixei para trás e nos conhecidos ou amigos que me ultrapassaram. Tenho perdido tempo na vida contabilizando mesquinharias e prometendo ser generoso sem me preparar para esse grande salto. Tenho perdido tempo na vida querendo escrever um pequeno grande conto, um rápido longo romance e uma breve poesia definitiva. Tenho perdido tempo na vida ruminando as respostas geniais que não dei aos que me ofenderam rasteiramente com seus elogios condescendentes ou suas críticas invejosas.
Tenho perdido tempo na vida preparando respostas que não darei quando tudo se repetir com a mesmice de um novo dia numa velha esquina rotineira.
Tenho perdido tempo na vida deixando de entrar no mar, de voltar à lagoa na Florentina, de comprar um sítio no pampa, de andar a cavalo na verdura dos campos, de tomar banho de chuva numa tarde de verão e de ligar para um velho amigo que continua tão amigo quanto sempre foi apesar do tempo que não nos falamos. Tenho perdido tempo na vida administrando crises pessoais, vaidades alheias e neuroses coletivas. Tenho perdido tempo na vida vivendo tempos perdidos à espera de tempos melhores que não têm pressa de chegar para todos. Tenho perdido tempo na vida tentando provar que não defendo o que me acusam e não acuso os que defendem o defensável. Tenho perdido tempo na vida tateando em busca da luz no meio da noite quando bastaria estender a mão para o dia. Tenho perdido tempo na vida com o tempo.
O tempo é só uma ilusão que não passa.
*Jornalista - via Correio do Povo - Gravura: Salvador Dalí
Nenhum comentário:
Postar um comentário