Por Fernando Brito*
Sérgio Cabral e Anthony Garotinho não me merecem respeito como políticos, até porque nenhum dos dois exerce, hoje, mandato eletivo, o que me daria motivos para ter respeito por seus eleitores.
Mas merecem como cidadãos e seres humanos.
Nenhum dos dois está condenado.
São presos provisórios, em tese para a garantia do processo judicial.
Como, em tese, pode ser libertados a qualquer momento por um habeas corpus.
Mas estão sendo escandalosamente utilizados como carne para açular a matilha em que desejam que se transforme a sociedade brasileira.
Mais cedo, coloca-se a circular nas redes sociais um vídeo onde Garotinho resiste a ordem de transferência para a penitenciária do leito hospitalar de onde se encontrava.
Tirar alguém de um hospital, ao que eu saiba, é decisão de médico, não de juiz.
Agora, Sérgio Cabral, anuncia-se, foi obrigado a raspar a cabeça.
Uma regra absurda adotada, aliás, no seu próprio Governo (2014), contestada pela Defensoria Pública, com razão, como ofensiva à dignidade do preso.
Aprendi com mãe e avó a não dizer “bem-feito” à injustiça com o injusto.
Orgulho-me de ter feito parte do governo de Leonel Brizola, que comeu o pão que o diabo amassou por ter proibido o “pé na porta” dos barracos sem mandato e o puxão pelos cabelos para que presos fossem fotografados pela imprensa sedenta.
Estamos transformando a vida brasileira – e os direitos das pessoas – num espetáculo de baixarias como estes programas de TV do tipo “mundo-cão”.
E isso sob as ordem de homens, em tese, de alto conhecimento de leis e direitos.
Todos com graduações, mestrados, doutorados e – isso os diviniza? – concursados.
As responsabilidades, amanhã, quando tivermos espancamentos, linchamentos, até mortes, será de quem?
Houve um tempo em que a Justiça era ponderada, discreta, moderada em decisões e atos.
Agora, vivemos a era do espalhafato, da humilhação, do salve-se quem puder espalhando culpas a torto e a direito.
***
Vamos virar o país do “escracho”? Ou já viramos?
A Justiça brasileira está dando um tiro no pé e fazendo nosso país regredir em matéria de respeito às instituições, ao se comportar – e não importa se são alguns juízes, se o Judiciário não lhes põe freios – de maneira sensacionalista que está fazendo.
A esta altura, os observadores que acompanham a situação brasileira – e há muitos, até em razão da repercussão internacional da “temporada de caça” que aqui se abriu – devem estar horrorizados com o clima de linchamento que, pouco importa se voluntariamente ou não, está sendo criado em nosso país.
A exibição das cenas deploráveis da resistência de Anthony Garotinho em ser retirado de um hospital para um presídio e a divulgação das fotos de Sérgio Cabral tomadas para sua ficha de identificação prisional são algo que não se dá em qualquer país civilizado.
Seja qual for o julgamento pessoal que se tenha sobre eles, a lição do respeitadíssimo penalista pernambucano Aníbal Bruno, há 50 anos, segue atual:
Por mais baixo que tenha caído o indivíduo, haverá sempre, em algum recanto do seu mundo moral, um resto de dignidade […] que o Direito não deve deixar ao desamparo. Ninguém ficará ligado a uma espécie de pelourinho, onde seja exposto sem defesa ao vilipêndio de qualquer um.
Não é uma questão política, é judicial. Tanto que você não viu nada semelhante com pessoas notórias detidas em parte alguma do mundo, onde o Judiciário não se vê como promotor de espetáculos.
Aqui, a prisão preventiva virou “arroz de festa”: decreta-se com razão ou sem razões.
E o que não se vê acontecer no mundo dito civilizado, o dito mundo civilizado vê que acontece aqui.
Duvido que até gente tíbia, na alta cúpula do Judiciário, que deveria estar exercendo – e já deveria ter exercido, faz tempo – suas responsabilidades não esteja constrangida com o clima que se instalou e nos tornou o país do “escracho”.
Mas não pode reagir mais, porque agora será linchada pela mídia também, se o fizer.
Ou alguém acha que o conceito absurdo de que o STF é “um puxadinho do PT” é só da horda que invadiu a Câmara, esta semana.
A imagem do Brasil ganhou mais um fator de erosão, já não bastassem a crise econômica e o processo que levou à ascensão de Michel Temer ao poder.
Será que alguém, em sã consciência, agora pode achar que foi um erro a queixa de Lula à ONU?
Escrevam o que digo. Haverá um movimento igual e contrário , um repuxo desta onda insana que se vive.
Quem (sobre)viver verá.
*Jornalista, Editor do Tijolaço, fonte destas postagens.
(Via Blog do Júlio Garcia)
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