Por João Paulo Furtado*
Em tempos de grande confusão, é natural que algumas pessoas recorram a fórmulas mágicas para resolver todos os problemas que nos afligem. Mas, infelizmente, elas não existem. O que se passa hoje na esquerda brasileira é mais ou menos isso.
Principalmente desde 1989, o PT tem certa hegemonia na organização da classe trabalhadora no Brasil. E é por isso que, de lá pra cá, os dilemas sobre programa, tática e estratégia da esquerda inevitavelmente partem dos erros e acertos do próprio PT.
Dito isso, importante lembrar que o debate sobre ficar o sair do PT não é nenhuma novidade, ele existe antes mesmo do PT ter se consolidado hegemônico na esquerda brasileira. Ainda na fundação do partido, alguns consideravam que aquilo era uma experiência natimorta porque seria impossível a organização de um partido socialista protagonizado pela própria classe trabalhadora, desafiando a “vanguarda intelectual”.
Depois disso, alguns debates se intensificaram em torno do papel do PT na disputa institucional, se isso mais contribuía ou prejudicava a estratégia de luta pelo socialismo, o que levou outros mais a abandonarem as fileiras do partido. Com o giro estratégico a partir de 1995, que levou a uma moderação progressiva de nosso programa, alguns também desistiram de disputar os rumos do PT. Já tendo chegando ao governo federal, a crise do “mensalão” em 2005 fez com que muitos decretassem o fim da história petista.
Pois bem, no meio dessa trajetória muita gente saiu bem intencionada, outros saíram por puro oportunismo ou porque desistiram da luta. Não é nada diferente do cenário atual. Fato é que até hoje o PT não foi superado por nenhuma outra experiência de esquerda no Brasil.
Os que tentaram ou continuam tentando criar uma cópia fidedigna do que era o PT no início dos anos 1980 cometem dois erros fundamentais: primeiro, achar que as condições históricas daquele momento específico permanecem as mesmas, ou que elas nada importam; segundo, ignorar o próprio caráter de formação do PT.
O Partido dos Trabalhadores não foi produto de uma receita pronta, por isso foi uma experiência inédita para a esquerda mundial naquele período. O contexto histórico naquele momento, marcado pelo declínio da ditadura e a ascensão da luta de massas, foi fundamental para o êxito do PT. Foi por esse e outros motivos que um único partido político conseguiu aglutinar em suas bases os operários do novo sindicalismo, a igreja progressista impulsionada pelas Comunidades Eclesiais de Base e os intelectuais da esquerda.
A consolidação do golpe em 31 de agosto desse ano marcou o fim de mais um ciclo na história do Brasil. Novamente, a esquerda brasileira está numa encruzilhada, mas especialmente o PT. E é agora também que volta a tona a discussão sobre a falência do Partido dos Trabalhadores.
Ninguém em sã consciência nega a gravidade do momento e que o PT, na maior crise de sua história, corre sérios riscos de vida. Ninguém pode responder com precisão se o PT vai sobreviver amanhã ou depois de amanhã. O que é possível afirmar é que não existe nada pronto para substituir o PT hoje.
O resultado dessa conjuntura vai fazer com que muita gente abandone o barco, alguns vão procurar um bote salva-vidas e outros vão nadar de braçada procurando terra firme. Com perdão dos que já decidiram pelo desembarque, mais do que nunca é responsabilidade nossa defender o PT – até mesmo para a esquerda não-petista – porque é cada vez mais provável que a sua derrota seria acompanhada pelo conjunto da esquerda política e social brasileira por um longo período.
É inegável que a contraofensiva conservadora foi responsável por nos impor o golpe, mas foi a direita que errou ao cumprir o seu devido papel ou fomos nós que erramos quando deixamos de cumprir o nosso? Responder essa questão é fundamental se quisermos resolver os dilemas que estão postos a nossa frente. E não, não é nenhuma execração pública ou discurso para desencargo de consciência, é apenas um exercício da dialética. Aos que argumentam que esse não é o momento de fazer balanço crítico, que “a auto-crítica se faz na prática”, e que o fundamental agora é fazer a defesa do PT, reafirmo com muita convicção que fazer a defesa do nosso partido passa obrigatoriamente por identificar os nossos erros e acertos.
As eleições municipais encerradas em outubro passado determinam muito pouco sobre o que será de nós daqui pra frente, mas dizem o suficiente para tirarmos algumas conclusões óbvias, ou não tanto assim, sobre essa nova conjuntura. É fato que o Partido dos Trabalhadores foi o maior derrotado dessas eleições, mas não só ele, como também todo o resto da esquerda. Está claro que o vazio deixado pelo PT não foi ocupado por nenhuma nova ou velha esquerda. O golpe e a ofensiva da direita, com seus aliados, foram os grandes responsáveis por nos derrotar, mas o PT contribuiu para sua própria derrota quando incorreu nos mesmos erros anteriores. Essa foi a primeira batalha de uma nova guerra. Nas próximas batalhas, podemos continuar perdendo ou sermos vitoriosos, mudar os rumos do PT pode não ser suficiente para virar o jogo, mas é primordial antes de tudo.
Mas e no que mesmo precisamos mudar o PT? Há quem fale que o nosso principal problema é de cunho organizativo, que a forma de organização do PT – ou dos partidos políticos de forma geral – está ultrapassada. Outros culpam as pessoas que estão na direção do partido pela nossa derrota. Alguns, ainda, acham que temos um problema essencialmente de narrativa.
A depender da centralidade que damos para cada um desses problemas, que de fato existem, podemos cair no erro comum de tentar achar soluções simplificadas ou “fórmulas mágicas”. Se o problema é só organizativo, vamos propor estruturas mais horizontais, acabar com o PED, etc. Se o problema é das pessoas que estão na direção, basta colocar outros no lugar e tentar encontrar um salvador da pátria. Se o problema é de narrativa, só precisamos mudar a forma como falamos com o povo. Mas, nosso problema de fundo é muito mais complexo do que tudo isso. Mesmo que façamos pequenos remendos, se não mudarmos a nossa política todo o esforço será em vão. E mudar a política do PT implica em reafirmarmos nosso programa democrático-popular & socialista, construirmos outra estratégia que rompa com essa de conciliação de classes e traçar uma nova tática.
Mais do que nunca é preciso mudar o PT para que ele continue sendo o maior instrumento de luta da classe trabalhadora brasileira. Mudar do PT nesse momento – por oportunismo ou ingenuidade – é uma escolha legítima, mas nem de longe é uma alternativa prudente para salvar a esquerda brasileira. Entre o pessimismo e o otimismo, prefiro ser consequente.
* João Paulo Furtado é militante do PT
Fonte: Página 13 - http://www.pagina13.org.br/
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