Nunca
se roubou tão pouco
por
Ricardo Semler*, na Folha, 21.11.2014
Não
sendo petista, e sim tucano, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de
prisões de executivos é um passo histórico para este país
Nossa
empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era
impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e
até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito.
Não há
no mundo dos negócios quem não saiba disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados
funcionários que nada ganham com a bandalheira da cúpula.
Os
porcentuais caíram, foi só isso que mudou. Até em Paris sabia-se dos “cochons
des dix pour cent”, os porquinhos que cobravam 10% por fora sobre a totalidade
de importação de barris de petróleo em décadas passadas.
Agora
tem gente fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite
escandalizada com os desvios na Petrobras. Santa hipocrisia. Onde estavam os
envergonhados do país nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão — cem
vezes mais do que o caso Petrobras — pelos empresários?
Virou
moda fugir disso tudo para Miami, mas é justamente a turma de Miami que compra
lá com dinheiro sonegado daqui. Que fingimento é esse?
Vejo as
pessoas vociferarem contra os nordestinos que garantiram a vitória da
presidente Dilma Rousseff. Garantir renda para quem sempre foi preterido no
desenvolvimento deveria ser motivo de princípio e de orgulho para um bom
brasileiro. Tanto faz o partido.
Não
sendo petista, e sim tucano, com ficha orgulhosamente assinada por Franco
Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC, sinto-me à vontade para constatar que
essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país.
É
ingênuo quem acha que poderia ter acontecido com qualquer presidente. Com
bandalheiras vastamente maiores, nunca a Polícia Federal teria tido autonomia
para prender corruptos cujos tentáculos levam ao próprio governo.
Votei
pelo fim de um longo ciclo do PT, porque Dilma e o partido dela enfiaram os pés
pelas mãos em termos de postura, aceite do sistema corrupto e políticas
econômicas.
Mas Dilma
agora lidera a todos nós, e preside o país num momento de muito orgulho e
esperança. Deixemos de ser hipócritas e reconheçamos que estamos a andar à
frente, e velozmente, neste quesito.
A coisa
não para na Petrobras. Há dezenas de outras estatais com esqueletos parecidos
no armário. É raro ganhar uma concessão ou construir uma estrada sem os
tentáculos sórdidos das empresas bandidas.
O que
muitos não sabem é que é igualmente difícil vender para muitas montadoras e
incontáveis multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras.
É
lógico que a defesa desses executivos presos vão entrar novamente com habeas
corpus, vários deles serão soltos, mas o susto e o passo à frente está dado.
Daqui não se volta atrás como país.
A turma
global que monitora a corrupção estima que 0,8% do PIB brasileiro é roubado.
Esse número já foi de 3,1%, e estimam ter sido na casa de 5% há poucas décadas.
O roubo está caindo, mas como a represa da Cantareira, em São Paulo, está a
desnudar o volume barrento.
Boa
parte sempre foi gasta com os partidos que se alugam por dinheiro vivo, e votos
que são comprados no Congresso há décadas. E são os grandes partidos que os
brasileiros reconduzem desde sempre.
Cada um
de nós tem um dedão na lama. Afinal, quem de nós não aceitou um pagamento sem
recibo para médico, deu uma cervejinha para um guarda ou passou escritura de
casa por um valor menor?
Deixemos
de cinismo. O antídoto contra esse veneno sistêmico é homeopático. Deixemos
instalar o processo de cura, que é do país, e não de um partido.
O lodo
desse veneno pode ser diluído, sim, com muita determinação e serenidade, e sem
arroubos de vergonha ou repugnância cínicas. Não sejamos o volume morto, não
permitamos que o barro triunfe novamente. Ninguém precisa ser alertado, cada de
nós sabe o que precisa fazer em vez de resmungar.
*RICARDO
SEMLER, 55, empresário, é sócio da Semco Partners.
-via http://www.viomundo.com.br/
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