Ancorados em suposta crise financeira, os setores conservadores que controlam o governo ousam propor a desvinculação de recursos para a saúde e a educação
Por César Minto e Pedro Pomar*
Apresentada pelo governo federal em junho deste ano, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 é capciosa. Quer impor um “Novo Regime Fiscal” que pretende congelar “por vinte exercícios financeiros”, ou seja por duas décadas, as “despesas primárias”: gastos sociais e custeio dos serviços públicos. A partir de 2017, as despesas da União passariam a ser corrigidas apenas pela inflação, sem crescimento real.
A PEC 241 busca induzir a
sociedade a concluir que o país gasta demais, sobretudo com as áreas sociais,
em especial com a saúde e a educação. Ameaça agravar drasticamente o histórico
subfinanciamento dessas áreas, o que provocaria uma tragédia social sem
precedentes – pois o que já não está bom ficaria pior.
A vinculação constitucional de
recursos para a educação tem início em 1983 com a Emenda Constitucional (EC)
24, a “Emenda Calmon” — que instituiu a aplicação anual em manutenção e
desenvolvimento do ensino (MDE) de nunca menos de 13% pela União e de 25% por
Estados, Distrito Federal e Municípios, da receita resultante de impostos —
reconhecendo uma luta por investimento regular e perene em MDE, como forma de
propiciar o alicerce para o desenvolvimento do país.
Saúde e educação foram definidas
como direitos sociais na Constituição Federal de 1988, que criou o Sistema
Único de Saúde (SUS) e ampliou a citada vinculação de recursos para a educação:
“A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante
de impostos” em MDE (Art. 212).
Contudo, a vinculação para a
saúde só foi significativamente contemplada pela EC 29/2000 e, mais tarde, pela
EC 86/2015, a qual determinou crescimento gradual dos recursos destinados ao
SUS, definindo que apenas em 2018 atinjam sofríveis 15% da receita corrente
líquida da União (RCL). Tímida ampliação que a PEC 241 quer revogar.
Os setores conservadores “não
engolem” a vinculação de recursos para áreas essenciais, sempre questionada e
minada por eles. A “Desvinculação de Recursos da União” (DRU), fixada em 20%
pela EC 68/2011, que vigorou até 2015 e ampliada para 30% pela EC 93/2016, em
vigor até 2023, é um exemplo contundente dessa ação antissocial.
Na exposição de motivos da PEC
241, os ministros da Fazenda e do Planejamento atribuem as dificuldades fiscais
da União ao “crescimento acelerado da despesa pública primária” e aos “gastos
em diversas políticas públicas”, e não aos trilhões de reais em juros pagos a
bancos e especuladores. Pretendem conter a “expansão da dívida pública” às
custas do congelamento das “despesas primárias”. Condicionam a redução da taxa
de juros a esse ajuste. E calam sobre suspender os repasses ao sistema
financeiro.
Assim, ancorados em suposta e
alardeada crise financeira, os setores conservadores que controlam o governo
ousam propor a desvinculação de recursos para a saúde e a educação — o real
objetivo da PEC 241/2016. Caso seja aprovada, engana-se quem imagina que em
futuro próximo consigamos reinstituir tais vinculações constitucionais!
*César Minto é presidente da
Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp). Pedro Pomar é
jornalista e editor da Revista Adusp.
Fonte: Carta Maior
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