terça-feira, 9 de abril de 2019

Deputados têm o dever de rejeitar reforma da Previdência agora



Por Paulo Moreira Leite*

Num tempo em que o STF não demonstra a menor disposição para cumprir várias de suas obrigações fundamentais, é bom tomar cuidado com a discussão sobre o caráter constitucional da reforma da Previdência.

Numa tentativa grosseira de banalizar graves mudanças no financiamento de nosso sistema público de aposentadorias e dar legitimidade a um processo questionável e regressivo, os aliados de Bolsonaro-Guedes tentam fugir de um debate crucial que irá ocorrer por esses dias na Comissão de Constituição e Justiça. 

Num exercício clássico de retórica política, que procura transformar aberrações em eventos naturais, sugerem que se trata de um debate ritual, uma espécie de forma vazia de conteúdo. Alega-se que a discussão de fundo deve ser levada para a fase seguinte, quando o projeto de mudanças for a votação, em dois turnos, pelo plenário das duas casas.

Um repórter da Globo News já afirmou que  a Comissão de Constituição e Justiça  irá dizer "apenas" se o projeto é compatível com a Carta de 1988.

Não há "apenas" nesse debate. Vivemos num país onde a Constituição afirma, no parágrafo 3o, que um dos objetivos da "República Federativa do Brasil"é "construir uma sociedade livre, justa e solidária".

No mesmo artigo se diz que a República deve buscar "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais ou regionais".

O  3o também determina que a República deve "promover o bem de todos". Denuncia expressamente vários preconceitos, não só de raça e origem social, mas também de "idade", fator que obviamente tem relação direta com o amparo à velhice.  

Há mais. No artigo 6o, quando lista direitos sociais de todos os brasileiros e brasileiras, a Constituição inclui a "previdência social" ao lado de "educação, saúde, trabalho, moradia, proteção à maternidade e infância".

Num mundo que naquela época  já ouvia falar dos primeiros ensaios da ruinosa capitalização individual que os Chicago boys de Paulo Guedes implantaram no Chile durante a ditadura Pinochet, o adjetivo "social" ao lado de "previdência" ajuda a lembrar que, numa Constituição nenhuma palavra -- ou mesmo vírgula -- pode ser lida como puro enfeite. 

Os artigos 3o e 6o dão forma e conteúdo a um embrião de estado de bem-estar social, que os constituintes eleitos decidiram colocar de pé. 

Num Brasil com um histórico de exclusão social e fragilidade democrática, a Constituição de 1988 é uma bem construída peça de resistência a serviço um povo que atravessou inúmeras derrotas e etapas de sofrimento sem desistir de seus direitos.  

Ao incluir inúmeras cláusulas e detalhes em seu texto, cuidado que foi motivo de sucessivos ataques conservadores que apenas preparavam o ataque final promovido pelo projeto de Bolsonaro-Guedes, a Carta de 1988 deixou claro que os direitos sociais não são clausulas optativas, nem uma mercadoria a ser barganhada nos altos e baixos das conjunturas econômicas. Tampouco podem ser questionados  ao sabor da realidade eleitoral de cada momento. Envolvem uma decisão política fundamental e permanente, que desenhou o país no qual os brasileiros e brasileiras vivem e decidiram viver após três décadas de ditadura militar e desigualdade cada vez mais profunda.   

Enquanto uma nova Assembleia Constituinte não for convocada para rascunhar uma nova Carta, nossos parlamentares tem obrigação de rejeitar todo esforço para amesquinhar e derrotar tamanha vitória da democracia em nossa história. 

Alguma dúvida?

*Jornalista - via Brasil247

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