quarta-feira, 4 de abril de 2012

BOCA DO INFERNO


DEFINE A SUA CIDADE

        "Me querem aqui todos mal/ mas eu quero mal a todos..."
.

De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.

Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dous ff se compõe.

Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade ao meu ver.

Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são B-A-H-I-A:
logo ninguém me dirá
que dous ff chega a ter,
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.

Gregório de Mattos Guerra* 
...

*Gregório de Mattos Guerra (o 'Boca do Inferno')  foi talvez o primeiro poeta brasileiro a usar seu talento para investir contra a incompetência, a corrupção e a arrogância dos governantes. Filho de família rica - seu pai era senhor de engenho na Bahia -, Gregório formou-se em Coimbra e retornou ao Brasil, em tese, para ser mais um integrante bem-posto da elite local. Mas virou o fio. Sem papas na língua, usando palavrões e recorrendo a imagens pesadas, não livrou a cara de ninguém na Bahia do final do século XVII. Não é de se espantar que tenha sido perseguido pelas autoridades, inclusive com a condenação ao degredo em Angola em 1694. Ficou pouco tempo por lá, mas nunca mais voltou à Bahia. Morreu no Recife, em 1696. (por Franklin Martins).

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