terça-feira, 4 de março de 2014

Não sei dançar...



Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.

Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...

Abaixo Amiel!
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff.

Sim, já perdi pai, mãe, irmãos.
Perdi a saúde também.
É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz band.

Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu tomo alegria!

Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda.
Mistura muito excelente de chás...
Esta foi açafata...
- Não, foi arrumadeira.
E está dançando com o ex-prefeito municipal:

Tão Brasil!

De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil...
Há até a fração incipiente amarela
Na figura de um japonês.
O japonês também dança maxixe:
Acugelê banzai!

A filha do usineiro de Campos
Olha com repugnância
Para a crioula imoral,

No entanto o que faz a indecência da outra
É dengue nos olhos maravilhosos da moça.
E aquele cair de ombros...
Mas ela não sabe...

Tão Brasil!

Ninguém se lembra de política...
Nem dos oito mil quilômetros de costa...

O algodão do Seridó é o melhor do mundo?... Que me importa?

Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos.

A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca.

Eu tomo alegria!


    (Manuel Bandeira, Petrópolis/RJ, 1925)

Nenhum comentário:

Postar um comentário