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"O que está ocorrendo agora é um debate sobre
a correlação de forças no plano da política" |
Porto Alegre/RS - Sul21 - por Marco
Weissheimer - O
governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, foi um dos raros casos de
políticos brasileiros que colocou a cara para bater durante as manifestações de
rua que sacudiram o país em junho e julho deste ano. No calor dos protestos,
promoveu reuniões, entrevistas coletivas, audiências públicas, convidou os
jovens manifestantes para debater e ouviu diretamente, sem nenhum filtro,
críticas destes à atuação das forças de segurança e sobre outros problemas
relacionados a políticas e serviços públicos. Dentro do PT, suas iniciativas
acabaram tendo projeção nacional, diante do ruidoso silêncio que se ouvia
então. Foi um dos primeiros a defender a necessidade de uma Constituinte
exclusiva, proposta que mais tarde seria abraçada pela presidenta Dilma
Rousseff e, rapidamente, bombardeada pelo “Centrão” político que comanda o
Congresso Nacional e tem crescente poder inclusive dentro do PT.
Goste-se
ou não de suas opiniões, do governador gaúcho não se pode dizer que pecou pela
omissão. Entrou em várias bolas divididas e segue entrando. Tarso Genro está
preocupado com o que considera ser uma interpretação ingênua por parte de
setores da esquerda a respeito das consequências políticas de todo o processo
de manifestações até aqui. O desdobramento do debate sobre a Reforma Política
no Congresso, a subordinação do PT à lógica Vaccarezza, e a tentativa de
desconstituição das conquistas sociais dos últimos 10 anos são alguns dos fatos
apontados por Tarso para analisar a conjuntura atual. “O que está ocorrendo
agora não é mais um debate sobre normas mais, ou menos, democráticas, mas um
debate sobre a correlação de forças no plano da política, para a aplicação dos princípios que
inspiraram a Constituição de 88. E quem está ganhando é o “centrão”, resume.
Tarso
Genro expõe assim as suas principais preocupações a respeito do atual momento
político no país e sobre as leituras que vêm sendo feitas sobre as
manifestações de rua e suas consequências:
“A
ingenuidade de uma parte da esquerda meio pollyana”
O
que me pasma é uma certa ingenuidade de uma parte da esquerda meio “pollyana” a respeito das manifestações
do início de julho, pela qual confundem
as autênticas manifestações dos estudantes e de certos novos movimento
sociais – que aliás já estão na cena pública há mais de duas décadas- com a instrumentalização que a mídia
oposicionista fez do próprio movimento, direcionando-o para dois níveis:
primeiro, desgastando as funções públicas do Estado, principalmente nas áreas
da saúde e do transporte público das grandes regiões metropolitanas e, segundo,
pretendendo “apagar” da memória popular, de forma totalitária, as grande
conquistas dos governos do Presidente
Lula, seguidas pelo governo atual da Presidenta Dilma, na base do “gigante
acordou”, que tanto deleitou as classes médias mais conservadoras. Tudo isso veio combinado com um ataque aos
partidos e aos políticos em geral, que atingem a própria democracia, que
certamente na visão destes conservadores deve ser substituída por um processo
“limpo”, de manejos tecnocráticos, feito
por gerentes do capital financeiro.
A
histórica campanha da grande mídia contra o Estado
Na
verdade, ocorreram dois movimentos neste processo: um movimento tipicamente
eleitoreiro da grande mídia, seguido por algumas redes sociais, preparando o
ambiente eleitoral para o próximo ano, e um autêntico movimento popular,
insatisfeito pelas limitações das conquistas até agora obtidas, cujo seguimento
e aprofundamento, agora, só pode ser dado por novos processos de
participação popular direta, inclusive para reformar o atrasado sistema
político brasileiro, que já é um emperramento para que se aprofundem as
conquistas sociais até agora obtidas.
Dou
o exemplo da saúde pública. Quem não sabe
que o SUS faz dezenas de milhões de atendimentos às populações mais
pobres e que é uma das grandes
conquistas do povo trabalhador do país, que salva milhões e milhões de vidas em
cada ano? Pois bem, dezenas de
reportagens “contra” este sistema público foram feitas precisamente no momento
em que os planos privados, que eram apontados como a grande saída pelos
neoliberais, entraram numa crise
profunda, que ficou totalmente subsumida nos noticiários, pois o “problema”,
para esta mídia, era o Estado, não o
mundo privado.
Há
luta ideológica sobre a saúde pública
Ambos,
certamente, estavam e estão subfinanciados e
o nosso SUS precisa ser muito melhorado. Mas o que foi escondido -nestes ataques ao sistema de saúde pública no Brasil- é que ele é, predominantemente bom para o
povo e que o privatismo não resolveu a questão nem para a classe
média que paga religiosamente os seus planos.
A direita, na verdade, se propôs a uma luta ideológica, sobre a questão
da saúde no Brasil, manipulando a informação,
e a esquerda e os governos se recusaram a fazê-la. As lideranças de
esquerda em geral, com algumas exceções honrosas, manifestaram-se “encantadas”
com os movimentos, como se eles fossem uniformemente “autênticos”, não
manipulados, o que não é verdade. Basta ver que quando eles saíram da
domesticação induzida passaram a ser depreciados.
A
falência do sistema político atual
O
que preocupa não é mais simplesmente a eleição do ano próximo, pois acredito
que a Presidenta vai recuperar o seu prestígio,
porque o governo tem bala na agulha. O
que me preocupa é o grau de governabilidade
que qualquer governo terá, no próximo período, em função da falência do sistema
político atual, que estimula as alianças fisiológicas que tornam os governos
reféns de maiorias artificiais, e, em função da incapacidade dos estados e
municípios -sejam eles quais forem- de responder às demandas populares, por
melhor saúde, melhor educação, melhor transporte, em função de duas coisas: as
desonerações que sacrificam as nossas arrecadações, através da redução dos valores do Fundo de
Participação dos Estados e dos Fundo de Participação dos Municípios, e em
função das dívidas do Estados, que não
param de crescer e impedem que se obtenha novos financiamentos para
obras de infraestrutura, por exemplo
A
tarefa estratégica para um governo de esquerda
Reagir
contra a “desindustrialização” do país e reforçar a capacidade de resposta dos
Estados e Municípios -principalmente os que governam com participação popular- no próximo período é, na minha opinião, a
principal tarefa estratégica de um governo democrático de esquerda, pois ,como
parece que não haverá reforma política nem reforma tributária, a estabilidade
política dos governos só pode ser moldada através de “remendos” no pacto
federativo, mais no âmbito da política do que âmbito de reformas na legalidade
vigente.
“Quem
está ganhando é o centrão”
Que
me perdoem os estetas da democracia formal, mas o que está ocorrendo agora não
é mais um debate sobre “normas” mais, ou menos, democráticas, mas um debate
sobre a correlação de forças no plano da política, para a aplicação dos princípios que
inspiraram a Constituição de 88. E quem está ganhando é o “centrão”, ou seja, as mudanças que eles toleram já
chegaram ao seu limite. Agora, para eles, é conservar e acalmar a plebe. Para
nós deve ser mais igualdade, o que significa reforma tributária, reforma
política, democratização dos meios de comunicação e mais combate às
desigualdades sociais e regionais. Que tal encarar um imposto sobre as grandes fortunas e um bom CPMF, para
Transportes e Saúde?