20% jurídico. Tudo isso?
Por Antônio Castro, no Sul21*
Repercutiu enormemente a
fala do ex-Presidente Lula em entrevista à televisão portuguesa sobre o
julgamento do mensalão: 80% político, 20% jurídico. Alguns dos ministros do STF
reagiram furibundos e a mídia nativa desqualificou como sempre. Prestem
atenção, porém. Lula nunca fala sem uma boa razão.
Por coincidência, semana
passada houve um belo debate realizado na OAB/RS, sobre o julgamento da AP 470 {foto}, organizado
pelos movimentos sindical e estudantil, sob a coordenação do jovem Ramiro
Castro, diretor da UNE no Rio Grande do Sul.
Além da presença de um especialista em mídia, o blogueiro Eduardo Guimarães
, que analisou a imprensa e sua pressão, e de um sociólogo, o sindicalista e
diretor da CUT, Júlio Turra, que discorreu sobre as implicações com os
movimentos sociais, o destaque foram os dois advogados presentes e suas
considerações técnicas sobre o processo.
Ricardo Cunha Martins,
notável criminalista gaúcho e professor
universitário, acentuou 3 pontos centrais:
– O STF tinha jurisprudência
consolidada sobre sua incompetência em julgar os réus sem foro privilegiado.
Levou ao debate 17 (!) precedentes,
inclusive um de Joaquim Barbosa meses antes da AP 470. E depois deste caso, ao
julgar o chamado “Mensalão tucano”, voltou ao desdobramento, enviando os réus
sem foro privilegiado à primeira instância. Em outras palavras, o julgamento
conjunto dos 40 réus, dos quais só 3 tinham foro privilegiado, foi a única
exceção da História do STF. Trata-se de uma enorme quebra do direito de defesa.
– A Teoria do Domínio do
fato, de origem alemã, não dispensa a prova cabal da participação direta
daquele apontado como líder. Assim, a famosa frase da Min. Rosa Weber (condeno
José Dirceu sem provas porque me autoriza a literatura jurídica) não só não é
verdade como consagra a perseguição a que foi submetido o líder petista. Poucos
dias depois, ao julgar outro rumoroso caso com meandros políticos, o processo de
corrupção contra o ex-Presidente Collor, o STF mais uma vez reverteu sua
jurisprudência e absolveu-o por “ falta de provas” , sem sequer examinar a
possibilidade de aplicar a “ teoria do domínio do fato” da forma como aplicou a
José Dirceu.
– E , por fim, o exame da
aplicação de agravantes das penas demonstra que estas foram elevadas entre 63 e
73% . Trata-se de um aumento artificial
das penas para evitar a prescrição ou mudar seu regime de cumprimento . A média
de elevação de penas por agravantes mal chega a 25%. Aliás, no julgamento dos
embargos infringentes, o próprio Min. Joaquim Barbosa confirmou que agiu desta
forma por estes exatos motivos. Um absurdo contra os mais elementares direitos
humanos, que igualmente comprova a
perseguição aos réus.
O outro advogado presente ao
debate, Sávio Lobato, que atuou no processo como defensor do réu Henrique
Pizolatto, acrescentou mais algumas questões:
– O Fundo Visanet é formado
por R$ 0,01 de cada compra que efetuamos com o cartão Visa. Não há um só
centavo de dinheiro público investido e o Banco do Brasil nunca aportou um
único real neste Fundo. Com isto, cai a tese do “ dinheiro público” o que
liquida com os crimes contra a administração pública e corrupção e simplesmente
derruba o processo todo…
– Estas alegações estão
provadas com perícias técnicas, existentes no famoso Inquérito 2474. Este tem
mais de 100 volumes e ocupa uma sala inteira no STF, mas o Min. Joaquim Barbosa
impediu que viesse aos autos da AP 470. Nestas perícias se comprova, também,
que o dinheiro (73 milhões) não poderia ter sido desviado porque foi aplicado
em publicidade do cartão Visa.
– Provavelmente ciente da
fragilidade da natureza “ pública” do dinheiro do Fundo Visanet, o acórdão
consagra, também, a natureza “ pública” do chamado Bônus de Volume, o BV. O BV
é o câncer da publicidade brasileira e foi inventado pela Rede Globo para
subornar as agências de publicidade. Significa que quando é colocada uma verba
publicitária num veículo de comunicação, este devolve o equivalente a 20% como
BV à agência . Isto faz com que a agência queira sempre, independentemente da
necessidade do cliente, anunciar naquele veiculo, para beneficiar-se do
dinheiro do BV. Pois bem, o STF decretou que o BV pertence à empresa
anunciante. Assim, o dinheiro que era da agência de Marcos Valério passou a ser do Banco do Brasil e sua
legitima aplicação para o que quisesse o publicitário passou a ser crime de corrupção. Imagino uma roda de
publicitários tomando um uisquinho na “
happy hour” e dizendo: O Joaquim disse que o BV pertence à empresa anunciante!
E caindo,todos, na gargalhada: quáquáquáquá. Mas há pessoas presas com base
nesta bobagem.
– O indiciamento de Henrique
Pizolato e mais 3 diretores do Fundo Visanet foi pedido desde a CPI dos
Correios. Pizolato, o único petista, foi incluído como réu do mensalão, e os
três outros , ligados ao PSDB, tiveram um processo contra si aberto numa vara crime
do Rio de Janeiro. Isto rompe com o
básico princípio de direito penal de que os réus acusados do mesmo fato
devem ser julgados conjuntamente. Tal anula todo o processo em relação a
Pizolatto e como isto leva a que não exista mais o “ dinheiro público” ,
liquida toda a ação. Avisados da existência desta outra ação, os ministros do
STF simplesmente ignoraram…
O ex-Presidente Lula é hoje
o latino-americano de maior prestígio internacional. Não há , certamente,
nenhum outro líder nos ditos países emergentes que tenha maior credibilidade na opinião pública mundial.
Lula, aliás, deu esta entrevista pouco depois de receber seu 27º título de
Doutor Honoris Causa, uma marca invejável sob qualquer critério.
Assim, frente a todos
estes abusos e ilegalidades verificados
no julgamento , me parece que Lula está
a preparar o terreno da disputa nas cortes internacionais de direitos humanos.
O julgamento do mensalão causou enormes prejuízos políticos ao PT e afastou-o
de amplos setores de classe média. Mas não foi a bala de prata que destruiria o
Partido. Encerrado , a luta petista agora é por desmoralizar tecnicamente o
julgamento, amplificando todos estes abusos e ilegalidades. E certamente será
muito importante para isto uma condenação internacional por uma corte de
direitos humanos. E é isto que enfurece nossa mídia cabocla e os ministros
cujas biografias, caso tal aconteça, virarão pó na História.
De toda sorte, a declaração
de Lula mostrou seu respeito por nossa Suprema Corte. Nem com toda boa vontade
consigo chegar a 20% jurídicos…
*Antônio Escosteguy Castro é
advogado - via http://www.sul21.com.br/
**Edição final deste Blog --Clique AQUI para ler mais s/debate da AP 470
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