*Por Edson Santos
A
trajetória política de José Dirceu teve início em 1965, quando se tornou líder
do movimento estudantil e chegou a ser presidente da UNE. Foi preso em 1968,
durante o 30º Congresso da UNE, organizado clandestinamente. No ano seguinte
foi libertado junto a outros 14 presos políticos, em contrapartida à libertação
do embaixador dos EUA Charles Burke Elbrick, sequestrado por corajosos
militantes que ousaram pegar em armas para resistir à ditadura militar.
Banido
do país, José Dirceu trabalhou e estudou em Cuba durante o exílio. Destemido,
voltou ao Brasil clandestinamente em 1971 e em 1974. Só voltaria à legalidade
em 1979, com a anistia política e o início do longo processo de abertura. No
ano seguinte, participou ativamente da fundação do PT, partido que logo se
tornaria a principal ferramenta de organização política dos trabalhadores
brasileiros, diretamente responsável pela fundação da CUT, em 1983, e com forte
influência sobre a criação do MST, em 1984.
Feita
a opção política pela luta no campo institucional, José Dirceu disputou as
eleições de 1986 e foi eleito deputado estadual pelo PT de São Paulo. Em 1990
elegeu-se deputado federal e em 1994 concorreu ao Governo do Estado, quando
recebeu dois milhões de votos. Voltaria a se eleger deputado federal em 1998 e
em 2002, com a segunda maior votação do país naquele ano.
Assumiu
a presidência do PT em 1995, sendo reeleito por três vezes, até que se
licenciou em 2002 para coordenar a campanha vitoriosa que levaria Lula a se
tornar o primeiro operário eleito presidente do Brasil. Com o início do
governo, Dirceu assumiu a função de ministro-chefe da Casa Civil da Presidência
da República.
Para
que Lula pudesse conduzir o inédito acordo social que permitiu ao Brasil crescer
com distribuição de renda, Dirceu carregou o piano da articulação política.
Internamente, enquadrou as correntes partidárias e capacitou o PT para
enfrentar o jogo pesado da política institucional. No âmbito externo, ajudou o
Partido a superar barreiras que poderiam comprometer a governabilidade,
forjando pactos com os operadores dos grandes interesses de Estado, com o
mercado, com os militares e com a mídia.
Sua
incomum visão do todo e capacidade de aglutinação política, no entanto, logo o
transformariam em alvo. Os problemas começaram em 2005, quando o deputado
Roberto Jefferson foi acossado por denúncia de corrupção praticada por um de
seus indicados nos Correios. Era uma armação do bicheiro Carlinhos Cachoeira,
em associação com a revista Veja, que procurava desalojar da estatal o grupo de
Jefferson. Mas o então presidente do PTB julgou que a denúncia tinha partido do
“superpoderoso” Dirceu. Foi o estopim do conhecido “mensalão”, hoje o sabido
“mentirão”, que viria a revelar a hipocrisia política, o uso seletivo das
denúncias e o falso moralismo do Judiciário.
Dirceu
foi pré-julgado pela imprensa e sofreu um linchamento midiático sem
precedentes, diariamente, em rede nacional. Negou-se a renunciar e teve seu
mandato cassado. Transformada em circo midiático com transmissão ao vivo das
sessões e massacrante cobertura da imprensa oligopolizada, a Ação Penal 470
(AP470) foi marcada por arbitrariedades e infrações à Constituição. Os réus
foram condenados sem direito ao duplo grau de jurisdição e, no caso de Dirceu,
sem qualquer prova de envolvimento com ilicitudes. Sem dúvida, foi o mais
vexaminoso julgamento de exceção já vivenciado na história do Brasil.
Em
2013, às vésperas do aniversário da República, o presidente do STF, Joaquim
Barbosa, buscou apropriar-se do simbolismo da data e mandou prender José Dirceu
e José Genoíno – outro herói da democracia brasileira. Com dinheiro público,
Barbosa promoveu deprimente espetáculo ao usar um camburão a jato para
transportar os “perigosos meliantes” algemados de São Paulo a Brasília, em
pleno feriado nacional. O fez sem aguardar a conclusão do julgamento e, numa
clara violação dos direitos dos réus, sem possibilitar à defesa as condições de
estabelecer o contraditório, garantia consagrada pela tradição jurídica
brasileira.
Ao
cabo, a AP470 evidenciou a primazia da vingança sobre a justiça. O resultado
foi muito aplaudido pelos adeptos de torpes mantras como “preto é tudo ladrão”
e “bandido bom é bandido morto”. Um pessoal que acha que o Governo “não tem que
dar bolsa esmola pra vagabundo”, mesmo sabendo que o Programa Bolsa Família
tirou 35 milhões de brasileiros da miséria e reduziu a mortalidade infantil em
17%.
O
recolhimento ao cárcere, no entanto, não impediu que Dirceu e Genoíno
continuassem a ser perseguidos. Este cumpre prisão domiciliar fora de seu
estado, sem acesso aos meios adequados para tratar a grave cardiopatia que lhe
acomete. Enquanto o outro cumpre pena em regime fechado, embora tenha sido
condenado ao semiaberto, enfrentando uma série de armadilhas institucionais
montadas por Barbosa e pela mídia para lhe impedir o direito de trabalhar fora
da penitenciária.
José
Dirceu é odiado, atacado e perseguido por tudo o que representa. Tinha tudo
para ser um operador político das elites, mas fez a opção de, por meio de sua
militância, ser um instrumento para a chegada do povo ao poder. Em grande
medida graças a Dirceu, o PT entrou no jogo para ganhar e fez o que deveria ser
feito para chegar ao poder, inverter as prioridades da administração pública e
promover a maior transformação social já registrada na história do Brasil.
Companheiro Zé Dirceu, saiba que não descansaremos ou nos calaremos enquanto
esta grande injustiça não for desfeita.
* Edson Santos é deputado federal (PT/RJ) - http://www.depedsonsantos.com.br/
Foto: Zé Dirceu discursando num ato estudantil/popular contra a ditadura militar (São Paulo, 1968)
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