Por Tarso Genro*
Quem leu a sentença do juiz Sergio Moro que condenou o
presidente Lula, sem as paixões imediatistas determinadas pela luta política em
curso (da qual ela faz parte), pode até compreender os elogios solidários de
alguns dos seus pares corporativos que circularam com uma rapidez estranha, mas
dificilmente ficará convencido que tal decisão poderia prosperar num tribunal
neutro, sem o uso das “razões de exceção”, que tem pautado – até aqui –
as ações penais contra o ex-presidente. Falta de fundamentação lógica,
método indutivo-analítico na apreciação dos depoimentos sem cotejamento do seu
valor probatório, eleição de relevância e irrelevância de fatos, segundo uma
opção já feita pela condenação, e claro viés político. Sequência do massacre
midiático, patrocinado de forma consciente pela maioria da mídia tradicional,
que foi guindada, inclusive, à condição de processante “ex-oficio”, através da
suas manchetes arbitrárias.
Adotado este método e esta visão processual-penal, todos os
réus que foram alvo de delação premiada – refiro-me aos acusados de tirarem
algum proveito dos financiamentos das empreiteiras – independentemente das
defesas que apresentarem, deverão ser inapelavelmente condenados. O motivo é
simples: a convicção do Magistrado não precisa mais fundamentar-se no processo,
mas pode emergir da convicção programada ou voluntária, fora dos autos, logo,
formada no espaço da política e do contraditório partidário. Isso é válido para
qualquer réu, de qualquer partido ou de qualquer empresa apontada como
corruptora. A sinalização que está dada pelo STF, todavia, não é essa, pois à
medida que os processos avançam sobre os protagonistas do golpe e os
“defensores” das reformas, a Corte Suprema tem revalorizado os princípios da
presunção de inocência, da ampla defesa e as formas não-excepcionais do devido
processo legal.
Enganam-se, porém, os que pensam que o juiz Moro é um
diletante em matéria jurídica, que se “equivocou” numa sentença importante. Sua
eleição, pelo oligopólio da mídia, à condição de primeiro homem da lei, que
instou o Supremo a mudar suas interpretações históricas, em matéria de
garantias constitucionais -para superpor as necessidades do processo
político às garantias do Estado de Direito (porque o “país tem pressa” no
combate à corrupção)- garantiram a Moro que ele passaria a ter estatuto
político para dar um “xeque-mate” no país. E assim ele o fez, porque todas as
alternativas que a sua sentença lega, ou prolongam a crise, ou abrem um vasto
espaço para a impunidade, ou deslegitimam, ainda mais, a esfera da política, se
promoverem a ausência de Lula na disputa presidencial de 18.
Primeira hipótese, “prolongam” a crise através da crise do
Poder Judiciário, porque a sentença de Moro vem à luz, precisamente, quando os
seus métodos de investigação e suas decisões de manutenção das prisões
infinitas, começam a ser glosadas por outras instâncias, o que denuncia,
portanto, a sua seletividade. Segunda hipótese, abrem um ” vasto espaço de
impunidade”, porque a retorsão, eventualmente feita pelo STJ e pelo Supremo –
para restabelecer as garantias da presunção da inocência e do trânsito em
julgado para o cumprimento das penas – beneficiarão diretamente a próxima
geração de réus, culpados ou não -originários do golpismo- que já estão sendo
soltos ou ainda não foram julgados. Terceira hipótese, se a sua sentença
excludente de Lula for simplesmente mantida ou agravada, qualquer Presidente
eleito em 18 não vai ter nenhuma legitimidade para governar.
Assim, quaisquer que sejam as decisões adotadas pelas
instâncias superiores (porque todo o processo foi um rosário de exceções e
seletividades) a partir de agora – mantendo a sentença, reformando-a para
absolver Lula ou aumentando a pena – elas reforçarão a crise política,
abalarão a confiança no Poder Judiciário, mais do que já está abalada, aguçarão
a radicalidade do confronto de classes no país e permitirão que a agenda
nacional continue sendo controlada pelo oligopólio da mídia. O mesmo oligopólio
que produziu a incriminação fascista -em abstrato- dos partidos e dos
políticos, colocando no mesmo plano, os honestos, os que usaram a
tradição deformada do caixa 2 e os que viverem e sobreviveram na escola da
propina e do c rime.
A sentença de Moro – fraca, condenatória sem provas e
previamente decidida na esfera da difusão da informação – é um “xeque-mate” na
República, que não tem uma elite política no Parlamento, capaz de resistir à
decomposição, que especialmente o PMDB e o PSDB, ora promovem na nossa
democracia em crise. Mas a sentença também é um cheque sem fundos, que paga um
serviço à direita liberal tutora das reformas, cuja maioria no Congresso pode
cair no patíbulo imprevisível dos processos sem lei ou pelo julgamento do povo
soberano, que eles ludibriaram para fazer as reformas, como se estivessem
preocupados com a corrupção. Um “xeque-mate”, combinado com um cheque sem
fundos, que repete, como farsa, a era berlusconiana na Itália das “mãos
limpas”, que se tornaram mais sujas.
.oOo.
*Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do
Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e
Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
-Postado originalmente no Sul21
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