terça-feira, 5 de julho de 2011

Se eu fosse Prefeito de Santiago, jamais iria gastar em asfalto...

Entrevista com o professor João Serafim Tusi

"Sei que o Prefeito Ruivo vai investir uma boa soma no asfaltamento de algumas vias. E sei, também, que ele vai fazer isso porque conseguiu financiamento. Porém, na minha concepção, se eu fosse Prefeito de Santiago, jamais iria gastar nenhum centavo em asfaltar nada. Pra quê? Pras caminhonetes e carrões dos que contribuem pouquíssimo com o desenvolvimento de Santiago transitar? E o que é pior. Pra reduzir a absorção natural das águas pelo solo e, eventualmente, submeter as partes mais baixas a um dia serem inundadas?"

Reproduzimos, a seguir, pela relevância, a entrevista concedida ao Blog do Júlio Prates pelo professor  João Serafim Tusi (foto). O mesmo  é santiaguense, possui graduação em Economia pela UFSM (1972) e mestrado (1976) e doutorado (2000) em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foi Professor do Depto. de Ciências Econômicas e do Programa de Pós-Graduação em Engª de Produção da UFSC (1975-2003).


Blog do Júlio Prates:  Professor Tusi, é possível sonharmos com a industrialização de Santiago ou estamos fadados ao insucesso pela geopolítica, nossa tradição e nossa falta de infra-estrutura?


João Serafim  Tusi: O sonho da industrialização em Santiago ainda não se realizou por esses motivos que você mencionou, e muitos outros.

Para mim, os principais motivos decorrem do fato do meio empresarial, historicamente, estar excessivamente arraigado a entregar seus produtos “in natura” e a ser demasiadamente individualista e fechado. E, ainda mais, a confundir o seu progresso pessoal/familiar, com o local/regional.

Quanto ao primeiro aspecto, de nada adianta para o desenvolvimento do município contar com criadores/plantadores que detêm muitas quadras de campo. Eles só criam/plantam e vendem tudo em pé e em grãos (in natura), respectivamente, empregando reduzidíssima mão de obra, com salários irrisórios e, quem sabe até, sem carteira assinada (o que, em alguns casos, até poder-se-ia enquadrar como mão de obra escrava). Além disso, a quase totalidade da parcela própria da renda desses ex-latifundiários, não é reinvestida de forma multiplicadora na economia local/regional. E se dilui em carros/caminhonetes, em casas, em custeio dos estudos dos filhos na UFSM (e não na URI/Santiago), em compras e passeios em outras cidades, e etc. e tal.

Os empregos gerados pelas concessionárias de veículos, comércio em geral, prestação de serviços etc. e etc., por conta dessa renda diluída na economia local/regional, são insuficientes para atender à demanda por novos postos de trabalho, principalmente à relacionada à massa adolescente e jovem. A população total vem diminuindo, marcadamente desde 2000, especialmente a rural, com intensidade cerca de 15% maior do que a respectiva involução média estadual. A Análise Situacional que realizamos na URI/Santiago revelou uma conjuntura sócio-econômica preocupadamente introvertida, com perigosas involuções localizadas em áreas e setores vitais para o desenvolvimento local e regional.

Com um cenário desses, você acha que algum empresário de fora teria interesse em investir aqui? Para mim, este é outro ingrediente no cardápio da explicação do porque Santiago não consegue atrair indústrias e negócios sustentáveis.

Já, quanto ao individualismo, vinculo isso à dificuldade histórica do empresariado local em empreender conjuntamente. Lembro-me de que, há quase 40 anos, quando estava concluindo o curso de economia na UFSM, elaboramos o projeto de um frigorífico para Santiago e região. Eu, daqui de Stgo, mais um colega da Agronomia (de Jaguari) e outro da Engenharia. Viemos pra cá e apresentâ-mo-lo na Cooperativa Rural. Todos os presentes aprovaram. Sobre a constituição do capital, não saiu, dessa reunião, nenhum consenso. Um fazendeiro GRANDE, na época, do qual não me recordo o nome, e alguns pequenos grupos, bem afinados, concordaram em aportar SOZINHOS todos os recursos financeiros, desde que fossem DONOS do frigorífico. Mas, o GRANDE, queria ser DONO sozinho. E, até hoje, Santiago continua sem o seu frigorífico. E, até hoje, ainda existem os que se acham DONOS de Santiago. E, os que têm certeza de que são DONOS.

E, é por aí que qualquer estudo sobre as origens da involução sócio-econômica e política de Santiago deveria perpassar, obrigatoriamente, na investigação científica desse fenômeno. Isso daria uma bela pesquisa, inclusive de Doutorado.

Outro aspecto refere-se ao fato de que a era do desenvolvimento, via industrialização, já passou, principalmente por intermédio dos projetos provocadores de impactos nocivos ao meio ambiente natural/físico e social. Esse foi o tempo do desenvolvimento de cima para baixo, onde os projetos eram empurrados "goela abaixo" das comunidades, sem nenhum pudor, como aconteceu no ABC paulista, e em muitos outros lugares.


JP: Que projetos, na sua opinião, deveriam ser priorizados em Santiago para viabilizarmos as pequenas e médias estruturas familiares?


JST: Em primeiro lugar, a viabilização de pequenas e médias estruturas familiares só acontece com o concurso das grandes, e vice-versa.

E o não atendimento disso pode explicar, em grande parte, a falência do tecido social e econômico hodierno. Qualquer atividade, seja de que natureza for, não sobrevive se não houver um crescimento conjunto, de forma compartilhada e compromissada com TODOS os seus membros. Toda a vez em que nas organizações existam “donos” e integrantes “bons” e “maus”, é porque elas se distanciaram dessa estratégia de crescimento.

Sei que o Prefeito Ruivo vai investir uma boa soma no asfaltamento de algumas vias. E sei, também, que ele vai fazer isso porque conseguiu financiamento. Porém, na minha concepção, se eu fosse Prefeito de Santiago, jamais iria gastar nenhum centavo em asfaltar nada. Pra quê? Pras caminhonetes e carrões dos que contribuem pouquíssimo com o desenvolvimento de Santiago transitar? e o que é pior. Pra reduzir a absorção natural das águas pelo solo e, eventualmente, submeter as partes mais baixas a um dia serem inundadas?

Com a metade desse recurso (dinheiro), poder-se-ia constituir muitas turmas de manutenção intermitente de conservação do calçamento histórico existente. E, ainda, construir duas unidades de processamento, uma de abate de peixes e outra de processamento de frutas. Inclusive, esta última, habilitada a receber a produção de TODOS os produtores e não só a dos GRANDES, a processar e exportar suco concentrado pros EUA, através do futuro Aeroporto de Santiago.

E, a primeira, a habilitar, principalmente as mulheres trabalhadoras rurais a extraírem o couro do peixe, sem estriá-lo, com uma maquininha construída por um inventor de Santa Maria; a curtirem-no (sem cromo); a embalarem-no, caseiramente, em volumes de um kg. E, depois, a venderem-no a R$200 a R$400 o quilo, conforme a espécie de peixe. O mercado comprador é voraz. E está aqui bem perto (SC, PR e SP).

Aqui é que entra a vontade e a atitude política. A articulação da Prefeitura Municipal, Sebrae, Emater, Centro Comercial, URI, etc. e etc. para fazer acontecer. Capacitar produtores. Garantir qualidade e certificação para os produtos. Encontrar e garantir mercados. E muitas outras coisas. Isto é, resumidamente, o que se faz numa incubadora dentro da Universidade. Mas, não a Universidade sozinha. E em SC já fizemos muito disso, e sempre deu certo. Mas aqui tudo é difícil, mais complicado, não é?

E pra isso acontecer, só com um pacto que coloque essa missão acima dos partidos políticos, acima dos caprichos e orgulhos familiares, acima dos desejos de manter os CABRESTOS, acima das manias de ser dono(a), de relutar em libertar as comunidades, etc. e etc.

Com relação aos tipos de projetos que deveriam ser priorizados, além dos dois exemplos que já mencionei, entendo que eles deveriam ser focados em vocações municipais/regionais novas, contando com o apoio da agropecuária tradicional que precisa ter alternativas para se defender dos, pelo menos, últimos 13 anos nos quais vem apanhando de toalha molhada. Elas são: “Agronegócio com agroindústrias e integração de cadeias produtivas, com ênfase em setores alternativo-potenciais (fruticultura, hortifrutigrangeiros, plantas medicinais, mel, piscicultura e aquicultura, florestamento, ovinocultura confinada, leite, etc.), turismo (rural, ecológico e balneário) e prestação de serviços” (Planejamento Estratégico Corede Vale do Jaguari, 2010, p.33).

Essa integração (consorciamento) produtivo a que eu me refiro diz respeito apenas à PEQUENA propriedade constituída pela agricultura familiar. Poder-se-ia começar com a piscicultura associada com a fruticultura fertiirrigada, a ovinocultura e a pecuária leiteira confinadas. Mas isso a gente conversa mais tarde.

Também, recomendaria que se priorizassem os empreendimentos coletivos, ao invés dos exclusivamente individuais. Porém, chamo a atenção de que a demaragem daqueles empreendimentos depende muito da alavancagem e apoio comandados pelas autoridades constituídas e de técnicos competentes, num esforço conjugado, integrado, compartilhado, comunitário, democrático, participativo e libertador. E esses esforços devem concorrer para extinguir, gradativamente, quaisquer ranços de dependência espoliativa, e de cabrestagem, que minam os esforços da capacidade criativa e inovativa do capital humano e social, que até hoje, por aqui, esteve completamente abandonado e ridicularizado à sua sorte.

Assim, dever-se-ia, em primeiro plano, atuar na sensibilização dos atores sociais para se engajarem na busca compartilhada de soluções domésticas (endógenas) sustentáveis para os problemas das comunidades, ao invés de continuarem demasiadamente esperando que as soluções venham fora, de agentes exógenos (dos governos estaduais e nacionais, de empresários que se instalariam aqui com suas empresas, etc. e de outras origens mais).

Hoje, as municipalidades mais adiantadas, estão assumindo posturas de desenvolvimento endógeno (de dentro pra fora, de baixo pra cima). Neste ponto, discordo do meu amigo, grande pesquisador e professor, Rogério Anése, quando aventa a possibilidade de Santa Maria mudar seu perfil de cidade “vendedora” para cidade “compradora” dos produtos da região (Jornal A FOLHA, Santiago, 1º/07/2011, p.10). Não. Não é nada disso. Temos é de capacitar o nosso povinho próprio para produzir e ajudá-los a encontrar compradores além fronteiras santiaguenses/santamarienses/riograndinas.

Veja só o que acontece aqui em Santiago. Os empreendimentos individuais, não raro, são instalados e encerrados, com uma velocidade incrível. É triste. Por quê ?

Porque são exageradamente locais/regionais. De que adianta abrir mais uma farmácia, mais uma padaria, mais um salão de beleza, mais uma oficina mecânica, e etc. e etc., se tudo continua dependendo de consumidores locais empobrecidos. Isso não é “geração de renda”. É “giração de renda”. A geração de renda sustentável só se verifica quando a renda vem de fora. DE FORA. E não dos consumidores locais, das unidades militares, do repasse do ICMS, etc. e etc.

A circunstância há pouco ensaiada, jamais aconteceria em um empreendimento coletivo em que existisse a interação agricultura/indústria, campo/cidade, e no qual se vendesse/exportasse a maioria da produção para além fronteiras com o auxílio de redes sociais, por exemplo. E, nessas condições, os empreendimentos coletivos assim constituídos deteriam, com certeza, economias de aglomeração e de escala, como, tenho certeza, concordaria comigo o Anése.


JP: Professor, se temos matéria-prima local, carne, lã, couro, grãos, o que falta para rompermos nosso isolamento?


JST: O que falta é vontade/decisão política libertadora.

Não falta dinheiro/fontes/financiamento, nem falta competência técnica pra elaborar/executar projetos e etc. e tal.

O que dificulta são as arrogâncias orgulhosas e posturas ultrapassadas, na sua maior parte oriunda de famílias QUE SE ACHAM DONAS de Santiago, conforme já explanei. São as articulações (principalmente partidárias) conduzidas mesquinhamente. A teimosia de continuidade de uma exploração agropecuária não agregativa de renda nenhuma, FALIDA, que só beneficia os escassos proprietários, EX-LATIFUNDIÁRIOS, ainda remanescentes, por enquanto. Que só se preocupam em rolar suas dívidas, que são enormes. A minha impressão é de que se todos eles pagassem o que devem aqui em Santiago, não iria sobrar nem uma caminhonetazinha, nem uma casinha. Provem-me o contrário. Gostaria muito de estar errado. Ah ! como eu gostaria de estar completamente equivocado !

Ainda, adiciono que, para mim, os ex-latifundiários, os ainda PODEROSOS como falam aqui em Santiago, estão cometendo um erro histórico. Eles confundem progresso próprio de suas famílias, com o progresso local/regional.

De que adianta você, na sua casa, na sua fazenda/granja/empresa estar cercado de capachos e de debilóides, de gente que só sabe ser mandada e humilhada ?

O bom é estar envolto por PARCEIROS, por colaboradores satisfeitos, criativos, que se sintam EMPODEIRADOS nos desígnios da NOSSA/NOSSO empresa/negócio, seja de que natureza for.

E, aqui em Santiago, eu percebo que esta postura está muito distante de ocorrer. Enquanto o(a)s DONO(A)S de Santiago não se aperceberem que têm responsabilidades com o desenvolvimento local/regional, além da sua própria sobrevivência econômica e social, nada dará resultado.

De nada vão adiantar programas, projetos, etc. de fonte nenhuma. ISTO É MUITO SÉRIO.

Enquanto esta MENTALIDADE que grassa por aqui não mudar, podemos conseguir milhões de dólares de fora. Mas, de nada vão adiantar. Já assisti a este filme em muitos outros lugares. No Brasil. E no mundo.

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