'Não
podemos deixar a brutalidade se naturalizar'
Por André
Singer*
O
que está acontecendo no Brasil? Cabeças cortadas em presídios, mulheres arrastadas
até a morte, linchamentos malucos que viram parte do cotidiano. É certo que o
país sempre foi muito violento por baixo da capa cordial, terna e alegre
--verdadeira, mas parcial--, usada para construir uma ideologia adequada aos
trópicos. Só que agora a brutalidade parece exacerbada.
O
que torna estranho o aumento do brutalismo, como o denominou o jornalista Janio
de Freitas em coluna recente, é que houve, na última década, uma evidente,
ainda que moderada, melhoria das condições sociais. As famílias mais pobres
passaram a receber um auxílio que, embora pequeno, aliviou a miséria e abriu
janelas de esperança para os seus filhos. Os jovens tiveram acesso a empregos
com carteira assinada, ainda que de baixa remuneração e em condições precárias.
Os
salários subiram, a começar do mínimo, que teve uma valorização da ordem de
70%. Mesmo depois de três anos de baixo crescimento do PIB, as categorias
organizadas continuam a conseguir aumentos reais. Nos primeiro trimestre de
2014, de 140 convenções coletivas realizadas, 97% registraram concessão de
ganhos acima da inflação (ver dados em bit.ly/agsind). São ganhos pequenos, com
apenas 33% desses dissídios representando elevação real maior do que 2%, mas
ganhos, enfim.
Pode-se
argumentar que tais avanços significam pouco em face do tamanho da pobreza e da
desigualdade brasileiras, o que não deixa, também, de ser verdade. Porém
deve-se considerar que tendo conseguido mantê-los ao longo de toda uma década,
os efeitos são cumulativos. A esta altura já existe toda uma geração formada em
ambiente menos excludente.
Por
que, então, os traços de barbárie social, nos quais é possível enxergar a
perversidade específica que a escravidão legou, não vão sendo atenuados? É como
se em um contexto de lento desafogo, as relações fossem tomadas por uma onda
barbarizante, quando se esperava um progresso civilizatório, mesmo que
incremental.
Com
sinceridade, não sei responder à pergunta. Percebo que, no fundo, ela sequer
está bem formulada, pois o que estou chamando aqui de brutalismo deve encobrir
fenômenos muito diferentes entre si.
Estou
convicto de apenas uma coisa: é preciso politizar o problema. Os candidatos e
os partidos precisam por a questão da violência em suas agendas. O Estado deve
desenhar novas políticas públicas a respeito. As instituições e organizações da
sociedade que estiverem do lado da civilização precisam refletir a atuar sobre
o assunto.
O
pior que pode acontecer é deixarmos a brutalidade se naturalizar, enquanto cada
um se esconde em casa, tentando fingir que o mundo lá fora não existe.
*Jornalista - via SQN http://esquerdopata.blogspot.com.br/
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