Povão não segue o modismo patético: mal-humorada e mal-educada é a elite brasileira |
Por Rodrigo Vianna*
Começo
da noite numa quinta-feira friorenta em São Paulo. O barbeiro que cuida do que
restou de meu cabelo recebe-me preocupado: “Rodrigo, o que tá acontecendo no
Brasil?” E ele mesmo responde: “acho que estão querendo derrubar o PT”.
O
barbeiro está ressabiado com a onda de violência e pessimismo. Além da
barbearia, mantem um pequeno sítio no interior paulista – onde produz mel.
Comprou, com financiamento do PRONAF, caminhonete nova para transportar o produto…
Longe de ser petista, ele se tornou fã de Lula. E observa tudo, inclusive a
onda midiática antiBrasil, como um apicultor observa suas abelhas: há muito
zumbido, risco de picadas; mas é preciso produzir o mel.
Corte
para 24 horas antes. A moça que faz a limpeza em casa pede pra ir embora mais
cedo. “Está uma bagunça na zona sul, Seu Rodrigo. O terminal de ônibus está
fechado. Esse povo não tá contente com nada?”. Ela faz planos de abrir um
pequeno comércio com o marido. Não leva uma vida maravilhosa. Longe disso. Mas
sabe avaliar o que era o Brasil há 10 anos. E o que é hoje.
Conto
isso tudo para meu filho, de 18 anos. E ele diz que o garçom – que o atendia
dia desses num boteco em São Paulo -
também mostrava desconfiança diante do “caos” que emana das telas e das
ruas: “isso aí é jogada política, pra mudar de governo na eleição.”
Sim,
o povão está começando a fazer sua leitura dos fatos… Como dizia Brizola
(clique aqui, para relembrar o discurso memorável do velho Leonel, durante
campanha no Rio, em que ele dizia como enfrentar a Globo e seus aliados):
“As
pessoas sozinhas, apenas com seus valores originais de ser humano, no uso da
razão e do bom senso, sozinhas, se defendem, constroem uma espécie de uma
carapaça, de uma proteção entorno da sua mente, de seus valores culturais,
daquilo que é original na nossa gente, esse povo assimila o que lhe interessa e
se defende da pressão [midiática] contra sua cultura, contra seus valores,
contra seu pensamento autêntico.”
Novo corte. Recolho umas camisas sociais, e sigo até a lavanderia perto de casa. A placa salta da vitrine: ”precisa-se de ajudante”. Lá dentro, fila de clientes. O atendimento é gentil e eficiente: típico do povo brasileiro (entre numa lavanderia em Paris ou Londres, e compare).
Novo corte. Recolho umas camisas sociais, e sigo até a lavanderia perto de casa. A placa salta da vitrine: ”precisa-se de ajudante”. Lá dentro, fila de clientes. O atendimento é gentil e eficiente: típico do povo brasileiro (entre numa lavanderia em Paris ou Londres, e compare).
Mal-humorada é a elite que
compra as camisetas da Ellus… A marca – acusada de usar trabalho escravo –
estampa em suas camisetas: “abaixo este Brasil atrasado”.
Penso na taxa de desemprego
no Brasil (abaixo de 5%), enquanto sigo para outro bairro. Tento parar o carro
num estacionamento lotado. Nova placa: “precisa-se de manobrista”. Converso com
o rapaz que me atende: “tá faltando gente pra trabalhar?” E ele: “o patrão
subiu até o salário inicial, acho que agora vai conseguir um pra me ajudar aqui
com os carros”.
Volto a minhas conjecturas.
Quem só convive em círculos de classe média deve acreditar que o Brasil está à
beira do caos. A classe média está com raiva, muita raiva. E a cobertura
midiática reflete essa raiva. Insufla a raiva, dissemina a raiva.
Parte do povão acaba
contaminada pelo clima de “caos”. Mas outra parte, enorme, observa tudo com
muita inteligência – feito o garçom, a moça da limpeza ou o meu barbeiro.
Matreiro, ele encerrou a conversa na quinta-feira com uma piscadela: ”eles
querem derrubar a mulher do Lula [assim ele chama a Dilma], mas a gente está
entendendo bem o que tá acontecendo…”
Essa desconfiança com o que
se vê nas telas da TV, e essa impressionante resistência ao bombardeio
midiático são a explicação para que Dilma siga com 40% dos votos em meio ao
clima de “pega, esfola e mata”.
Dilma e Lula não travaram o
combate simbólico, não mostraram de forma didática que 30 milhões de
brasileiros saíram da miséria graças a políticas públicas. Esse salto
gigantesco não veio (apenas) do esforço individual. É fruto da política. A mesma
“política” esculhambada nas rodas de bar, nas ruas, nas telas e nos
comentários-padrão de leitores de grandes portais da internet.
Fiz essa pergunta a Lula, na
entrevista aos blogueiros há pouco mais de um mês. “Por que o PT abriu mão do
combate simbólico?” E ele: “combate simbólico? mas minha eleição e a de Dilma
já são o símbolo”.
O operário-presidente. A
mulher-presidente. Símbolos poderosos, de fato… Talvez isso também explique
porque uma parte gigantesca da população brasileira permaneça impermeável à onda de ódio e pessimismo.
Mas é um erro contar apenas
com a resistência e a capacidade de análise do povão brasileiro. Ele parece ter
compreendido que não há (ainda) um outro projeto para o país. E que a turma sem
projeto quer botar fogo no que conseguimos construir a duras penas…
O povão resiste. Mas é
preciso oferecer novo projeto: com mais mudança, mais democracia, mais justiça.
O Brasil precisa mudar mais.
E não voltar a ser o paraíso dos mervais, jabores, aécios, armínios e dos
patéticos que amam a Ellus e detestam o povo brasileiro.
O Brasil precisa de uma
liderança que aponte caminhos. Dilma precisa ser a Dilma do Primeiro de Maio, e
não a Dilma do omelete com Ana Maria Braga.
Dilma e Lula precisam ser
mais Brizola… Aliás, no mesmo discurso citado acima, o líder trabalhista
explicava didaticamente:
“A causa deles é tão ruim, é tão miserável, é tao infeliz, que com tudo isso [o aparato midiático] na mão, eles não conseguem pressionar praticamente a ninguém.”
“A causa deles é tão ruim, é tão miserável, é tao infeliz, que com tudo isso [o aparato midiático] na mão, eles não conseguem pressionar praticamente a ninguém.”
*Via Blog Escrevinhador http://www.rodrigovianna.com.br/
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