Comissão Estadual da
Verdade do RS assinará termo de cooperação com Comissão Nacional em novembro
PORTO ALEGRE/RS - Os familiares das
vítimas da Operação Condor que vivem no Rio Grande do Sul foram ouvidos pela
Comissão Nacional da Verdade nesta segunda-feira (01). O encontro ocorreu na
sede da Comissão Estadual da Verdade, no prédio onde funciona o Instituto da
Previdência do RS. As investigações da cooperação militar de órgãos de
inteligência das forças armadas de países da América do Sul durante as
ditaduras militares, nas décadas de 70 e 80, começam em território gaúcho pela
participação histórica do estado na Operação Condor.
“É um local
estratégico. O Jair Krischke (Conselheiro do Movimento de Justiça e Direitos
Humanos) tem dados e informações que dizem, diferente do que foi divulgado até
hoje, que a Operação Condor não foi constituída em 1975, no Chile. Ele tem
provas de que o Brasil praticou atos fundacionais desta operação muito antes da
década de 70”, disse a advogada e coordenadora do GT Operação Condor, Rosa
Maria Cardoso da Cunha.
Segundo ela, os
materiais que comprovam a participação do Brasil na considerada mais terrível
ação cooperativa entre forças armadas para exterminar grupos de resistência a
golpes militares serão cedidos por Krischke à Comissão Nacional da Verdade. “O
que ele tem é tão importante que ele irá depor em Brasília”, disse Rosa.
A estimativa é que
mais de 100 mil pessoas foram mortas e 400 mil torturadas em decorrência das
ações da operação que envolveu militares brasileiros, chilenos, uruguaios,
argentinos, bolivianos e paraguaios. De acordo com a advogada Rosa Maria
Cardoso da Cunha, o grupo irá apurar todos os arquivos referentes ao período,
compreendendo estruturas das forças armadas e ligadas ao Itamaraty. Uma destas
estruturas é o Ciex (Centro de Informações do Exterior). Conforme Rosa,
documentos serão requeridos a embaixadas e consulados de países como Chile,
Argentina e Uruguai em território brasileiro. Integrantes da Comissão da
Verdade também viajarão para países vizinhos para buscar documentos nas
embaixadas do Brasil.
Comissões estaduais auxiliam nas investigações
Para auxiliar nas
investigações e unificar o trabalho feito nacionalmente com o desenvolvidos
pelas Comissões Estaduais de Verdade, a coordenadora explica que termos de
cooperação estão sendo assinados com os estados. Pernambuco já assinou e o Rio
Grande do Sul, apesar de já ter a Comissão Estadual instituída e em
funcionamento, assinará a cooperação em 13 de novembro. “A meta é não duplicar
trabalhos, principalmente no estado do Rio Grande do Sul que terá pesquisas
específicas a serem feitas”, salientou.
A ideia é que os
estados apurem as mortes e desaparecimentos de pessoas nos períodos históricos
de tortura e ditaduras no Brasil e contribuam com a investigação da Comissão
Nacional da Verdade. “Nós podemos dar apoio para a convocação dos depoimentos e
no acesso a documentos sigilosos dos quais os estados não consigam acessar por
limitações legais”, explica.
Por ser constituída
por lei federal, apenas a Comissão Nacional da Verdade tem o poder de convocar
os agentes de crimes de tortura a prestar depoimentos. “A partir do momento em
que tivermos encerrado o nosso trabalho de investigação e referência
bibliográfica, no qual coletamos dados sobre os fatos ocorridos no Rio Grande
do Sul, poderemos então chamar autores de crimes para prestar depoimentos”,
estima um dos membros da Comissão Estadual da Verdade do RS, Carlos Frederico
Guazzelli.
A Comissão Estadual
da Verdade terá mais tempo que a Comissão Nacional para investigar os crimes e
começará antes do Golpe de 64. “Vamos documentar os desaparecimentos forçados,
torturas, mortes, casos de exílio e perseguições políticas nos período de 1961
a 1964 – Da Legalidade até o Golpe; de 1964 a 1968; de 1968 a 1985 quando
começa a redemocratização e de 1985 a 1988 quando há o marco da Constituição
Federal”, conta.
Segundo ele, o
trabalho de pesquisa e investigação já feito por universidades, entidades de
direito à memória e comissões de anistia contribui com o trabalho da Comissão.
No caso específico da Operação Condor, Guazzelli fala que documentos já foram
repassados ao grupo de trabalho da Comissão Nacional da Verdade. “Já está bem
adiantado o trabalho sobre a Operação Condor. Promoveremos um encontro com
convidados do Chile, Uruguai e Argentina no final de outubro, na Universidade
Federal do RS (Ufrgs). Estes países estão mais adiantados que nós na
reconstituição das relações internacionais responsáveis pela ditadura do
Conesul”, falou.
A Comissão Estadual
da Verdade também irá promovidas audiências públicas, inquisição de pessoas e
visitas nos locais onde se cometeram atos de tortura. O relatório deverá ser
repassado à Comissão Nacional até agosto de 2014. Há quatro meses em
funcionamento, a Comissão Nacional deverá entregar o seu relatório quando
findar dois anos. “Mas a pesquisa sobre as condições em que as pessoas morreram
e a autoria destes fatos não será abandonada. Até o momento de publicar o
relatório”, garante a coordenadora Rosa Maria Cardoso.
“Não temos pressa em ouvir os perpetradores da
violência”, diz coordenadora do GT
Desde a instalação da
Comissão Nacional da Verdade, em maio, foram ouvidos apenas dois agentes do
aparato de repressão da ditadura civil militar, que durou de 1964 até 1985 no
país. “É verdade. Mas não há atraso. Nós não estamos preocupados em chamar
prontamente os perpetradores da violência porque não sabemos se diante da
Comissão Nacional da Verdade eles irão falar o que fizeram. Temos relações que
vem sendo publicadas, desde o relatório do Brasil Tortura Nunca Mais, feito pelo Dom
Evaristo, sabemos quem deveremos chamar”, explica a advogada, que também
integra o GT de Antecedentes e Razões do Golpe Civil Militar.
A
estratégia é confrontar os dados coletados pela Comissão ao longo do período de
investigações para confrontar com o possível silêncio dos autores dos crimes de
tortura. Os dados bem embasados também poderão servir de futuras provas para
processos judiciais no Ministério Público Federal, já que a Comissão Nacional
da Verdade não tem caráter punitivo.
“É
fundamental fazer a relação entre passado e presente. A tortura ainda existe. A
violência militar da ditadura foi um capítulo da história de violência do
Brasil, que teve características da época, mas a cultura de violência, sexista,
machista e do direito à propriedade ainda persiste. É uma história de
conciliação e impunidade”, afirma Rosa Maria.
*Jornalista do sítio Sul21 http://sul21.com.br
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