segunda-feira, 1 de outubro de 2012

GT que investiga Operação Condor inicia atividades pelo RS



Comissão Estadual da Verdade do RS assinará termo de cooperação com Comissão Nacional em novembro

Por Rachel Duarte*

PORTO ALEGRE/RS - Os familiares das vítimas da Operação Condor que vivem no Rio Grande do Sul foram ouvidos pela Comissão Nacional da Verdade nesta segunda-feira (01). O encontro ocorreu na sede da Comissão Estadual da Verdade, no prédio onde funciona o Instituto da Previdência do RS. As investigações da cooperação militar de órgãos de inteligência das forças armadas de países da América do Sul durante as ditaduras militares, nas décadas de 70 e 80, começam em território gaúcho pela participação histórica do estado na Operação Condor.

“É um local estratégico. O Jair Krischke (Conselheiro do Movimento de Justiça e Direitos Humanos) tem dados e informações que dizem, diferente do que foi divulgado até hoje, que a Operação Condor não foi constituída em 1975, no Chile. Ele tem provas de que o Brasil praticou atos fundacionais desta operação muito antes da década de 70”, disse a advogada e coordenadora do GT Operação Condor, Rosa Maria Cardoso da Cunha.

Segundo ela, os materiais que comprovam a participação do Brasil na considerada mais terrível ação cooperativa entre forças armadas para exterminar grupos de resistência a golpes militares serão cedidos por Krischke à Comissão Nacional da Verdade. “O que ele tem é tão importante que ele irá depor em Brasília”, disse Rosa.

A estimativa é que mais de 100 mil pessoas foram mortas e 400 mil torturadas em decorrência das ações da operação que envolveu militares brasileiros, chilenos, uruguaios, argentinos, bolivianos e paraguaios. De acordo com a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, o grupo irá apurar todos os arquivos referentes ao período, compreendendo estruturas das forças armadas e ligadas ao Itamaraty. Uma destas estruturas é o Ciex (Centro de Informações do Exterior). Conforme Rosa, documentos serão requeridos a embaixadas e consulados de países como Chile, Argentina e Uruguai em território brasileiro. Integrantes da Comissão da Verdade também viajarão para países vizinhos para buscar documentos nas embaixadas do Brasil.

Comissões estaduais auxiliam nas investigações

Para auxiliar nas investigações e unificar o trabalho feito nacionalmente com o desenvolvidos pelas Comissões Estaduais de Verdade, a coordenadora explica que termos de cooperação estão sendo assinados com os estados. Pernambuco já assinou e o Rio Grande do Sul, apesar de já ter a Comissão Estadual instituída e em funcionamento, assinará a cooperação em 13 de novembro. “A meta é não duplicar trabalhos, principalmente no estado do Rio Grande do Sul que terá pesquisas específicas a serem feitas”, salientou.

A ideia é que os estados apurem as mortes e desaparecimentos de pessoas nos períodos históricos de tortura e ditaduras no Brasil e contribuam com a investigação da Comissão Nacional da Verdade. “Nós podemos dar apoio para a convocação dos depoimentos e no acesso a documentos sigilosos dos quais os estados não consigam acessar por limitações legais”, explica.

Por ser constituída por lei federal, apenas a Comissão Nacional da Verdade tem o poder de convocar os agentes de crimes de tortura a prestar depoimentos. “A partir do momento em que tivermos encerrado o nosso trabalho de investigação e referência bibliográfica, no qual coletamos dados sobre os fatos ocorridos no Rio Grande do Sul, poderemos então chamar autores de crimes para prestar depoimentos”, estima um dos membros da Comissão Estadual da Verdade do RS, Carlos Frederico Guazzelli.

A Comissão Estadual da Verdade terá mais tempo que a Comissão Nacional para investigar os crimes e começará antes do Golpe de 64. “Vamos documentar os desaparecimentos forçados, torturas, mortes, casos de exílio e perseguições políticas nos período de 1961 a 1964 – Da Legalidade até o Golpe; de 1964 a 1968; de 1968 a 1985 quando começa a redemocratização e de 1985 a 1988 quando há o marco da Constituição Federal”, conta.

Segundo ele, o trabalho de pesquisa e investigação já feito por universidades, entidades de direito à memória e comissões de anistia contribui com o trabalho da Comissão. No caso específico da Operação Condor, Guazzelli fala que documentos já foram repassados ao grupo de trabalho da Comissão Nacional da Verdade. “Já está bem adiantado o trabalho sobre a Operação Condor. Promoveremos um encontro com convidados do Chile, Uruguai e Argentina no final de outubro, na Universidade Federal do RS (Ufrgs). Estes países estão mais adiantados que nós na reconstituição das relações internacionais responsáveis pela ditadura do Conesul”, falou.

A Comissão Estadual da Verdade também irá promovidas audiências públicas, inquisição de pessoas e visitas nos locais onde se cometeram atos de tortura. O relatório deverá ser repassado à Comissão Nacional até agosto de 2014. Há quatro meses em funcionamento, a Comissão Nacional deverá entregar o seu relatório quando findar dois anos. “Mas a pesquisa sobre as condições em que as pessoas morreram e a autoria destes fatos não será abandonada. Até o momento de publicar o relatório”, garante a coordenadora Rosa Maria Cardoso.

“Não temos pressa em ouvir os perpetradores da violência”, diz coordenadora do GT

Desde a instalação da Comissão Nacional da Verdade, em maio, foram ouvidos apenas dois agentes do aparato de repressão da ditadura civil militar, que durou de 1964 até 1985 no país. “É verdade. Mas não há atraso. Nós não estamos preocupados em chamar prontamente os perpetradores da violência porque não sabemos se diante da Comissão Nacional da Verdade eles irão falar o que fizeram. Temos relações que vem sendo publicadas, desde o relatório do Brasil Tortura Nunca Mais, feito pelo Dom Evaristo, sabemos quem deveremos chamar”, explica a advogada, que também integra o GT de Antecedentes e Razões do Golpe Civil Militar.

A estratégia é confrontar os dados coletados pela Comissão ao longo do período de investigações para confrontar com o possível silêncio dos autores dos crimes de tortura. Os dados bem embasados também poderão servir de futuras provas para processos judiciais no Ministério Público Federal, já que a Comissão Nacional da Verdade não tem caráter punitivo.

“É fundamental fazer a relação entre passado e presente. A tortura ainda existe. A violência militar da ditadura foi um capítulo da história de violência do Brasil, que teve características da época, mas a cultura de violência, sexista, machista e do direito à propriedade ainda persiste. É uma história de conciliação e impunidade”, afirma Rosa Maria.

*Jornalista do sítio Sul21 http://sul21.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário