ENQUANTO
EU LIA O LIVRO
[...]
(Como
se alguém realmente soubesse
de
minha vida um nada,
quando
até eu, eu mesmo, tantas vezes
sinto
que pouco sei ou nada sei
da
verdadeira vida que é a minha:
somente
uns poucos traços
apagados,
uns dados espalhados
e
uns desvios, que eu busco
para
uso próprio, marcando o caminho
daqui
afora.)
[...]
18.
Com
música forte eu venho,
Com
minhas cornetas e meus tambores:
não
toco hinos
só
para os vencedores consagrados,
toco
hinos também
para
as pessoas batidas e assassinadas.
Vocês
já ouviram dizer
que
ganhar o dia é bom?
Pois
eu digo que é bom também perder:
batalhas
são perdidas
com
o mesmo espírito
com
que são ganhas.
Eu
rufo e bato o tambor pelos mortos
e
sopro nas minhas embocaduras
o
que de mais alto e mais jubiloso
posso
por eles.
Vivas
àqueles que levaram a pior!
E
àqueles cujos navios de guerra
afundaram
no mar!
E a
todos os generais
das
estratégias perdidas,
que
foram todos heróis!
E
ao sem-número dos heróis desconhecidos,
equivalentes
aos heróis maiores
que
se conhecem!
(Id.ibid.,
p.30)
20.
[...]
Não
ando pelo mundo a lastimar
o
que o mundo lastima em demasia:
que
os meses sejam de vácuo
e o
chão seja de lama
e
podridão.
A
gemer e acovardar-se,
cheio
de pós para inválidos,
o
conformismo pode ficar bem
para
os de quarta categoria;
eu
ponho o meu chapéu como bem quero,
dentro
ou fora de portas.
Por
que iria eu rezar?
Por
que haveria eu de me curvar
e
fazer rapapés?
Tendo
até os estratos perquirido,
analisado
até um fio de cabelo,
consultado
doutores
e
feito os cálculos apropriados,
eu
não encontro gordura mais doce
do
que a inserida em meus próprios ossos.
Em
toda pessoa eu vejo a mim mesmo,
nem
mais nem menos um grão de mostarda,
e o
bem ou mal que falo de mim mesmo
falo
dela também.
Sei
que sou sólido e são,
para
mim num permanente fluir
convergem
os objetos do universo;
todos
estão escritos para mim
e
eu tenho de saber o que significa
o
que está escrito.
Sei
que sou imortal,
sei
que esta minha órbita não pode
ser
traçada
pelo
compasso de um carpinteiro qualquer.
Sei
que não passarei
assim
que nem verruga de criança
que
à noite se remove
com
um alfinete flambado.
Eu
sei que sou majestoso,
não
vou tirar a paz do meu espírito
para
mostrar quanto vale
ou
para ser compreendido:
tenho
visto que as leis elementares
jamais
pedem desculpas.
(Eu
reconheço que, afinal de contas,
não
levo meu orgulho
além
do nível a que elevo minha casa.)
Existo
como sou,
isso
é o que basta:
se
ninguém mais no mundo
toma
conhecimento,
eu
me sento contente;
e
se cada um e todos
tomam
conhecimento,
eu
contente me sento.
Existe
um mundo
que
toma conhecimento,
e
este é o maior para mim:
o
mundo de mim mesmo.
Se
a mim mesmo eu chegar hoje,
daqui
a dez mil ou dez milhões de anos,
posso
alcançá-lo agora bem-disposto
ou
posso bem-disposto esperar mais.
O
lugar de meus pés
está
lavrado e ajustado em granito:
rio-me
do que dizem ser dissolução
–
conheço bem a amplitude do tempo.
(Id.ibid.,
p.31-32)
21.
Eu
sou o poeta do Corpo
e
sou o poeta da Alma,
as
delícias do céu
estão
em mim
e
os horrores do inferno
estão
em mim
– o
primeiro eu enxerto
e
amplio ao meu redor,
o
segundo eu traduzo
em
nova língua.
[...]
(Walt Whitman)
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