*Por Fabiano Santos, na Carta Maior
'Os grandes veículos são
grandes corporações favoráveis a uma agenda de corte liberal e o menos
redistributivista possível. Isso explica a criminalização.'
O equívoco da criminalização
da política brasileira, promovida pela cobertura diária da grande imprensa, e
direcionada, sobretudo, para lideranças do Partido dos Trabalhadores, não decorre apenas da desinformação e de um possível viés ideológico em favor de
oposicionistas ao governo. Decorre principalmente do fato de serem os grandes
veículos de comunicação no país, grandes corporações e, como tal, favoráveis a
uma agenda de corte liberal, tanto menos redistributivista quanto possível.
Por este motivo, o PT passa
a ser o grande inimigo, porque é a mais bem sucedida experiência institucional
brasileira de aliar democracia e alocação política, leia-se, através da ação
governamental, de bens e valores econômicos e sociais. Ao mesmo tempo, seu
relativo sucesso explica resultados de diversas sondagens, segundo as quais a
taxa de identificação partidária com o PT, sempre rondando os 25%, é alta, seja
em termos internacionais, seja levando-se em consideração a história
brasileira.
A presença do tema da
corrupção nas eleições e no debate político, neste sentido, é essencial para o
campo conservador brasileiro. É imprescindível transmitir a informação de que
toda forma de ação governamental é suspeita, por envolver quase que por
definição desvio de recursos escassos, extraídos das famílias e das empresas.
Trata-se, contudo, de estratégia perigosa, tanto mais perigosa, quanto mais
consciente for a respeito de seus possíveis efeitos sobre a natureza
democrática do nosso regime. Senão vejamos.
Em linhas gerais, duas
correntes antagônicas buscam explicar o comportamento político em sociedades de
massas, sociedades que aliam capitalismo e democracia: um primeiro conjunto de
autores defende a hipótese de acordo com a qual as decisões a serem tomadas em
uma democracia de massa são mais complexas do que a capacidade cognitiva do
cidadão comum pode suportar; o segundo grupo é mais otimista quanto à
competência política dos eleitores, ao enfatizar o papel que as instituições,
como os partidos, cumprem no sentido de auxiliá-los no exercício da
racionalidade em momentos de decisão política.
No primeiro caso, os eleitores
são representados como seres voláteis, que consomem informação e respondem a
ela de maneira afetiva, sem filtros capazes de associar a produção dos dados a
seus interesses de mais longo prazo, bem como a relação destes mesmos dados com
os temas fundamentais da agenda pública. Esta é a teoria do eleitor
impressionista, instável, que encontra dificuldades quase que intransponíveis
para exercer graus razoáveis de racionalidade em seu processo decisório. No
segundo caso, os eleitores são representados como seres que selecionam as
fontes de informação política e são capazes, em determinadas circunstâncias, de
fazê-lo de maneira minimamente eficiente – isto é, optando por aquelas ações e
decisões que melhor traduzem seus interesses.
Controvérsias à parte, algum
consenso entre estas linhas existe quanto ao fato de sermos mais consistentes
em nossas decisões quando decidimos em torno de fatores mais estruturais da
vida política, tais como partidos, grupos sociais, ideologia e lideranças bem
estabelecidas, e menos consistentes quando construímos juízos com base em
variáveis mais restritivas e de curto prazo. Por exemplo, nós, cidadãos,
seriamos mais ponderados na ocasião em que chamados a escolher representantes e
governantes do que quando convocados a decidir sobre questões específicas da
agenda pública, como ocorre nas ocasiões de plebiscitos e referendos.
Mas voltemos ao exemplo do
partido político. Por que é tão fundamental no regime representativo?
Basicamente porque as agremiações partidárias são uma das fontes centrais de
estabilização das decisões e identidades políticas dos cidadãos numa
democracia. O partido cumpre a relevante função de associar o voto dado pelo
eleitor a uma agenda de políticas
públicas a ser seguida por um candidato. A informação sintetizada no partido é
um dos veículos mediante os quais os eleitores são levados a apoiar os diversos
candidatos em pugnas eleitorais.
Quando os partidos parecem
falhar, por exemplo, quando suas lideranças são vítimas de uma cobertura
monotemática em torno da corrupção, o ambiente das decisões políticas se torna
mais errático e os eleitores mais sujeitos a adotar cursos de ação
prejudiciais, com base em informações de curto prazo, aí sim impressionistas,
em temas específicos, desprovidos de relações mais estruturais com a agenda
pública. Por isso, é tão importante preservar os partidos no contexto de uma
disputa eleitoral, pois eles estabilizam o processo decisório do cidadão comum,
em geral desinteressado em buscar todas as evidências necessárias ao reconhecimento
dos mecanismos de causa e efeito característicos do mundo político.
Ora, crises desencadeadas
por denúncias de corrupção nada tem a ver com aspectos estruturais da vida
política. Aliás, o tema corrupção é apenas um tema, um “tema sujo”, como diriam
os teóricos da comunicação política, a partir do qual o eleitor não é capaz de
derivar políticas para o país. Em outras palavras, uma campanha eleitoral cujo
mote principal é a corrupção assume contorno plebiscitário, em um contexto no
qual o eleitor se torna menos ponderado, mais afetivo do que propriamente capaz
de associar o posicionamento dos diversos candidatos a questões centrais da
agenda. O PT, em coalizão com diversas outras forças, várias das quais
conservadoras, tem apresentado suas prioridades aos eleitores.
Inclusão, redução da pobreza
e crescimento econômico com forte presença do estado têm sido os fundamentos de
sua ação como partido do governo e no poder. Se é importante uma alternativa
democrática, esta certamente não se encontra na criminalização da política e do
PT, sobretudo, se pensamos em uma alternativa democrática. Boa para gerar
crises, e desacreditar governos de perfil mais popular, a criminalização da
política é, essencialmente, péssimo meio de pedagogia democrática.
* Fabiano Santos (foto) é Cientista político,
professor e pesquisador do IESP/UERJ
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