'O que o PT deve disputar nas ruas
não é a direção de um movimento sem cara definida, com muitas caras, ou com
máscaras e capuzes. O que o PT deve disputar nas ruas é o seu projeto, a sua
história e o seu governo.'
Por Marco Weissheimer*
O Brasil viverá uma encruzilhada
em 2014. Não parece haver exagero em afirmar isso. Afinal de contas, no final
do ano, saberemos todos se o país seguirá trilhando o caminho do projeto iniciado
com o governo Lula, em 2003, ou se andará para outra direção. Não só o Brasil.
O futuro político de toda a América Latina será influenciado pela eleição
brasileira. Num certo sentido, o cenário é relativamente tranquilo para a
reeleição do atual projeto. A presidenta Dilma Rousseff lidera com folga as
pesquisas e recuperou os índices de popularidade de seu governo que sofreram um
baque logo após os protestos de rua de junho de 2013. Em outro, porém, está
longe de ser tranquilo. No meio do caminho tem um negócio chamado Copa do Mundo
e movimentos de rua que pretendem inviabilizar a realização do evento ou, ao
menos, criar um ambiente caótico, cujas repercussões políticas são
imprevisíveis.
Os diversos grupos e movimentos
que estão dispostos a sair para as ruas não tem nenhuma unidade programática.
Há um pouco de tudo: anarquistas, direitistas, esquerdistas e uma miríade de
outros istas. Todos dispostos a denunciar “tudo o que está aí”, justamente no
momento em que o Brasil, tomando como comparação a sua própria trajetória, vive
o melhor momento de sua história. Sobre esse ponto, vale recordar uma
observação feita no ano passado por Flávio Koutzii, um militante histórico do
PT e da esquerda latino-americana, com experiência e acúmulo em várias lutas,
inclusive a armada:
“Um dos paradoxos da situação
provocada pelos protestos de rua que sacudiram o Brasil nas últimas semanas é a
impressão, estimulada por alguns setores bem identificados, de que o país
estaria acabando quando, na verdade, está começando um novo ciclo, em um novo
patamar. É claro que há problemas relativamente agudos na educação, na saúde e
na segurança, mas não podemos fazer de conta de que não existiram os grandes
avanços que o país teve nos últimos anos. Estou convencido de que esse é o melhor
Brasil que nós temos depois da ditadura”. (Entrevista ao Sul21, 1º de julho de 2013)
A situação é paradoxal e
contraditória mesmo. O Brasil nunca teve em sua história o conjunto de
políticas sociais que têm hoje que, se por um lado, não são suficientes para
resgatar as dívidas do Estado brasileiro para com seu povo, por outro,
melhoraram objetivamente as condições de vida de milhões de pessoas. Lembrando
as palavras da ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza
Campelo, no recente Fórum Social temático realizado em Porto Alegre, “estamos
falando do poder transformador de uma infância sem fome, já são quase 12 anos
de uma infância sem fome” . Mas, como se sabe, a gente não quer só comida e aí
estão os enormes desafios a serem enfrentados no presente, como mostram as
mobilizações envolvendo a situação do transporte público no Brasil.
E aí os paradoxos e contradições
não são menores. Só há possibilidade de alterar qualitativamente para melhor a
situação do transporte público no país com investimentos públicos maciços nesta
área. Para isso, entre outras, coisas é preciso ter poderes públicos com
capacidade de planejamento e execução, ou, em outras palavras, é preciso ter
Estado com capacidade de investimento e planejamento. E, para ter um Estado com
essas características, é preciso ter política, partidos e organizações sociais
fortes e com inteligência suficiente para executar essa tarefa. O discurso
anti-política, anti-representação e anti-tudo que ecoa em vários dos grupos que
estão na rua conspira contra tudo isso e se alinha, objetivamente, aos
partidários do Estado mínimo.
Esse é um dos grandes paradoxos
que sobrevoa essas manifestações: elas podem tomar o rumo oposto do caminho
que, supostamente, querem seguir. Não será exatamente uma novidade. A grande
revolta popular no Egito, que levou muitos a saudar com entusiasmo uma
Primavera Árabe, resultou numa ditadura e não mexeu na estrutura de poder
econômico, político e militar do país. Os protestos de rua que sacodem a
Ucrânia agora registram um crescimento expressivo de grupos neonazistas,
ultra-nacionalistas e xenófobos. Isso não implica dizer que isso acontecerá
aqui no Brasil também, mas recomenda, no mínimo, um pouco de prudência e
cautela na hora de avaliar a conjuntura para evitar o risco de jogar fora o
bebê com a água do banho.
Neste contexto, o PT tem um papel
fundamental a cumprir. Afinal de contas, é o partido que lidera o projeto que
vem sendo implementado no Brasil desde 2003. E terá que fazer isso (ou não) com
todos os problemas que tem hoje: processo de burocratização, perda de quadros
para a máquina estatal, mergulho no pragmatismo eleitoral, enfraquecimento da
capacidade de formação e formulação política, etc., etc). Qualquer petista que
conviva com a vida diária do partido sabe quais são esses problemas. Pode
divergir, aqui e ali, quanto à intensidade dos mesmos, mas dificilmente quanto
á sua existência. Mas o partido tem lá suas virtudes também e é com elas que
pode contar para enfrentar essa situação repleta de paradoxos e contradições:
está prestes a completar 34 anos de vida, o que significa uma experiência
política que não deve ser desprezada, tem experiência de governo acumulada em
todos os níveis e possui, com todos os problemas que enfrentou nos últimos
anos, uma ampla base social e militante espalhada pelo país. Não é pouca coisa.
Talvez o principal desafio que o
PT precisa enfrentar neste momento é sair da posição defensiva e reativa em
relação aos protestos de rua. Em junho de 2013, isso foi até compreensível,
pois o fenômeno pegou praticamente todo mundo de surpresa. Mas já não é mais
uma novidade para ninguém. E ninguém poderá dizer que foi pego de surpresa com
o que vier a acontecer este ano. O PT precisa voltar a ter voz, seus
dirigentes, parlamentares e militantes mais experientes precisam falar,
conversar aberta e francamente com a sociedade, defender o projeto em curso no
Brasil, reconhecendo os problemas e buscando soluções em conjunto com a
sociedade. Sair da posição defensiva e reativa é fundamental. O PT nasceu nas
ruas, não é um território estranho para seus militantes e dirigentes.
Não se trata de disputar a
direção dos movimentos que estão nas ruas. Nada disso. Trata-se de conversar
com a sociedade, não por meio de notas burocráticas saídas de reuniões de diretórios
e executivas, mas por meio da voz e da inteligência de seus melhores quadros,
de respostas políticas cuja velocidade corresponda à dinâmica das ruas e da
conjuntura. O que o PT deve disputar nas
ruas não é a direção de um movimento sem cara definida, com muitas caras, ou
com máscaras e capuzes. O que o PT deve disputar nas ruas é o seu projeto, a
sua história e o seu governo. Eventualmente, dependendo do andar da carruagem,
terá que fazer isso inclusive contra anônimos, black blocks e outros bichos dessa
fauna que já mostrou, em várias situações, que aposta na violência como o
caminho para se seguir sabe lá para onde.
É o PT que tem que fazer isso,
fundamentalmente, e buscar o apoio do máximo de aliados que puder. Esse é o
papel de um partido dirigente. Não serão o PMDB, o PTB, o PSOL, o PSTU ou o PP
que abraçarão essa bronca. Com crise de representação ou sem crise, com
burocratização ou sem burocratização, com flacidez programática ou sem flacidez
programática, os petistas precisam arregaçar as mangas, abrir o armário de sua
experiência partidária, tirar de lá suas melhores roupas e fazer o que já
fizeram várias vezes em sua história: política de alta intensidade em defesa de
seu projeto. Ao fazer isso, não estará fazendo apenas por sua história mas,
principalmente, pelos milhões de pessoas que começaram a se tornar cidadãos de
uma nação a partir de 2003. Estão aí seus principais aliados.
*Jornalista, Editor do Blog RS Urgente (via sítio Sul21)
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