Uso
sem moderação
O
direito à liberdade de expressão não inclui o direito à liberdade de fazer com
ela o que quer que seja
Por Janio de Freitas*
O
repúdio do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio ao que considerou
apoio de Rachel Sheherazade, do jornal "SBT Brasil", aos que
agrediram e acorrentaram nu a um poste um adolescente, por eles acusado de
roubos, expressa bem a confusão de conceitos e de condutas que se dissemina, e
degrada, quase sem resistência.
A
apresentadora e seu parceiro, Joseval Peixoto, invocaram, como base
institucional do seu argumento, a "absoluta liberdade de expressão".
"E nós não abrimos mão desse direito", o que motiva os votos de que
continuem ou passem a defendê-lo. Mas o que foi posto em questão não é aquela
liberdade nem o respectivo direito.
A
liberdade de expressão foi plenamente exercida pela apresentadora em seu
comentário à agressão e ao acorrentamento do adolescente {foto}. No caso e em
infinitos outros, o problema está no modo como essa custosa liberdade é usada.
O direito à liberdade de expressão não inclui o direito à liberdade de fazer
com ela o que quer que seja. Se não fosse assim, a liberdade de expressão
incluiria até a de pregar a extinção do regime que a mantém. E, para não haver
sequer vapor de dúvida a respeito, a Constituição adotou como cláusula pétrea,
ou seja, irremovível e imutável, a absoluta proibição de qualquer ato contrário
ao pleno Estado de Direito.
A
nota do sindicato apontou, no comentário de Sheherazade, violação dos direitos
humanos, do Estatuto da Criança e do Adolescente e apologia à violência.
Tréplica da apresentadora: "O que eu defendi foi o direito da população de
se defender quando o Estado é omisso, quando a polícia não chega. Isso está na
lei". Não há nenhuma lei que conceda à sociedade, nem mesmo à polícia e a
juiz fora de função, o direito de fazer pretensa justiça por conta própria. O
que, é óbvio, se dá quando uma pessoa é surrada, posta nua e acorrentada a um
poste na rua.
O
uso da liberdade de expressão degenera com amplitude e velocidade. A internet
tem a desculpa do amadorismo, do desabafo diletante, se bem que muitos dos seus
jornalistas profissionais já se tenham entregue aos modos dos outros.
Nos
jornais e revistas, que seriam o repositório do jornalismo sério, a coisa está
pior do que na internet, se consideradas, relativamente, a permissividade
congênita da internet e os princípios éticos de que a imprensa sempre se
pretendeu portadora. O esforço com a veracidade informativa cede à lassidão,
seja pelo convívio com o espírito internet, e sua resultante queda de interesse
pelo leitor, seja por desmedidas na quase inevitável politização. O
comentarismo, por sua vez, avança no vale-tudo, não é difícil imaginar para
onde.
Pudera.
Quando um ministro do Supremo Tribunal Federal, sem sequer indício de indício,
assaca suspeitas que já são meias acusações de lavagem de dinheiro até de
advogados de alta reputação, por doarem para as multas penais de petistas, o
que mais se passe como confusão de conceitos e degradação de princípios talvez
seja de total irrelevância. Gilmar Mendes é bastante para mostrar e explicar
tudo.
*Jornalista da Folha de S. Paulo (fonte desta postagem)
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