Absolvido por quadrilha, Delúbio assegurou
pena em regime semiaberto mas justiça acaba de suspender seu direito ao
trabalho
Ao anunciar, ontem, a decisão de
suspender o regime semiaberto de Delúbio Soares (foto), o juiz Bruno Ribeiro tomou uma
decisão errada na hora errada.
O juiz Bruno foi escolhido a dedo por Joaquim
Barbosa para cumprir o papel de guardião dos condenados da AP 470.
A medida foi anunciada horas depois da derrota
de Joaquim no Supremo Tribunal Federal. Ao rejeitar a acusação por formação de
quadrilha, os ministros derrubaram qualquer hipótese de Delúbio e outros réus
em situação semelhante serem mantidos em regime fechado.
Mesmo assim, a medida está longe de ser uma
surpresa.
Mostra que seguimos no país da novilíngua.
(Você sabe: era este o idioma no país de 1984, aquele romance de George Orwell)
Num trabalho de reconstituição difícil, pois o
prisioneiro não dá entrevistas nem se dispõe a conversar com jornalistas, é
possível reconstituir episódios ocorridos em dias anteriores.
Através de advogados e autoridades
penitenciárias, foi possível saber que, nas últimas semanas, Delúbio recebeu vários sinais de que, cedo ou tarde,
poderia perder a liberdade recém conquistada.
Assim se informa que, recentemente, Delúbio
foi procurado por um dos responsáveis pelo CPP, onde encontra-se recolhido
desde que foi transferido para o semiaberto. Nessa ocasião, lhe foi dito que
não poderia permanecer na ala do presídio reservada aos ex-policiais, onde fora
instalado desde a chegada.
Isso porque não era ex-policial, o que
poderia, como toda pessoa familiarizada com a novilíngua da AP 470 já percebeu,
ser definido como um “privilégio. “
Em função disso, a proposta era
que fosse transferido para o “fundão” do CPP, uma área aberta, com centenas de
prisioneiros, com menos controle e menor segurança – o que explica porque
ex-policiais não podem ficar ali. Por via das dúvidas, queriam saber se ele
estava disposto a assinar um documento, declarando-se inteiramente convencido
de que o novo local apresentava boas condições de segurança.
Entendendo a mensagem novilíngua tão óbvia,
Delúbio só prosseguiu a conversa na presença de um advogado.
O caso foi parar na Secretaria de
Administração Penitenciária, órgão do governo do Distrito Federal, que, como o
próprio nome diz, tem a responsabilidade legal para definir o que se passa em
presídios e centros de detenção. Num país onde funciona a divisão entre
poderes, sem novilíngua, a Justiça julga e o Executivo, executa. Alguma dúvida?
A Secretaria tem a palavra final
sobre o destino de todos os prisioneiros, suas condições no cárcere – que podem
variar conforme o comportamento – e assim por diante. A ideia de retirar
Delúbio da ala onde se encontram ex-policiais, como se pretendia no CPP, mas
estava em desacordo com a Secretaria, morreu ali.
O argumento é que locais
diferenciados costumam ser reservados a prisioneiros diferenciados, o que
inclui ex-policiais mas também os chamados presos de notoriedade. Todos estão
sob a guarda do Estado, que devem impedir que sejam alvo de atos violentos por
parte de outros condenados. Chantagens, sequestros de familiares e outros
episódios desse tipo são comuns e é natural que se faça o possível para
evita-los. Não é “privilégio”, George Orwell.
(O próprio Marcos Valério chegou
a ser torturado numa penitenciaria em São Paulo, onde ficou detido por um
episódio sem relação com a AP 470.)
As pressões prosseguiram, para alimentar a
narrativa novilíngua dos “privilégios “
dos prisioneiros da AP 470. Novilíngua mesmo.
Oito “privilegiados” prisioneiros da AP
470 não só foram vítimas de uma acusação
indiscutivelmente errada, de formação de quadrilha, como demonstrou o STF
ontem, mas também receberam penas agravadas artificialmente, em função de
uma “discrepância “ provocada pelo
“impulso de superar a prescrição do crime de quadrilha e até de se modificar o
regime inicial de cumprimento das penas", como disse o ministro Luiz
Roberto Barroso, num voto corajoso e competente.
Olha só a novilíngua.
Sem as penas agravadas por essa acusação
errada e exagerada, condenados como Dirceu e Delúbio nunca poderiam ter sido
condenados a penas em regime fechado.
Não teria sido necessário
apresentar embargos infringentes – e lutar com bravura pelo simples direito de
recorrer a eles, numa votação apertada e dramática.
A novilíngua dos privilégios
inclui a manutenção de José Dirceu por mais de 90 dias em regime fechado.
Como acontece com Delúbio, o
direito de Dirceu ao regime semiaberto estava fora de dúvida antes mesmo da
votação de ontem, e não foi questionado
por um fiapo de prova jurídica – apenas novilínguas acumuladas, insinuadas e
nunca sustentadas. O caso do telefone da Bahia foi esclarecido na medida em que
é possível esclarecer tantos episódios confusos, até porque comprovou-se uma
circunstancia impeditiva: naquele dia, o ex-ministro da Casa Civil não saiu de
sua cela.
Mas o ministério público do DF
alega que se fez uma investigação “atípica” para apurar o caso e pede novos
esclarecimentos. Depois de muitos outros, este é o argumento jurídico que
mantém Dirceu atrás das grades.
O argumento político você sabe.
Em nossa novilíngua, o Direito se
inverte. Em dúvida, decide-se contra o réu. É o que acontece com Dirceu e
também com Delúbio.
Ao “suspender temporariamente” um direito inquestionável, , o juiz Bruno
Ribeiro avança por um atalho que lhe permite punir o prisioneiro sem a
necessidade de provar que ele fez alguma coisa errada.
Segundo a Folha, Bruno Ribeiro alega que é
preciso “investigar supostas regalias” como “alimentação diferenciada” e
“visitas em horário impróprio."
Estamos falando de uma feijoada
que alguns colegas de prisão serviram a Delúbio, num caso banal da prisão –
todos os ingredientes estão disponíveis na cantina do centro de detenção. A
visita diz respeito a um líder dos agentes penitenciários que deu um “oi” a
Delúbio.
Privilégios imensos na existência de um
prisioneiro que só por um erro foi condenado a regime fechado. Uma visão que
comparou o PT ao bando de Lampião. Que passou oito anos dizendo que um ministro
chefe da Casa Civil era "chefe de quadrilha."
Novilíngua. Novilíngua.
-Por Paulo Moreira Leite, in IstoÉ Independente http://www.istoe.com.br/
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