Caluda!
Os cubanos vêm aí
Por Luciano Martins Costa*
Os
jornais foram surpreendidos pela decisão do governo de importar de Cuba 4 mil
médicos para ocupar postos em lugares críticos, onde não há serviço público ou
particular de saúde.
Os
primeiros 400 deverão chegar já na próxima semana e serão enviados para cidades
ou bairros que não despertaram interesse de profissionais brasileiros ou do
exterior na primeira fase das inscrições no programa Mais Médicos, 84% dos
quais no Norte e Nordeste.
O
noticiário dá conta de que, ao todo, 3511 municípios se inscreveram no
programa, o que revela uma demanda de 15460 vagas.
Apenas 15% desse total havia sido completado até quarta-feira (21).
Cada
médico contratado custará aos cofres públicos R$ 10 mil de salários mensais,
mais os custos da mudança e pagamento de moradia e alimentação.
O
convênio que permitirá a contratação de médicos cubanos foi feito pelo governo
brasileiro com a Organização Pan-americana de Saúde, que tem um acordo com
governos de vários países, inclusive Cuba, para atender casos de emergência e
carência crítica.
Os
jornais desta quinta-feira (22) explicam que 84% dos profissionais que virão de
Cuba têm mais de 16 anos de experiência, 30% são pós-graduados, muitos
trabalharam em países onde se fala a língua portuguesa, principalmente na
África, e todos são especialistas em
saúde da família.
Ainda
assim, dirigentes de entidades médicas do Brasil fazem declarações à imprensa
condenando a iniciativa.
Representantes
do Conselho Federal de Medicina e da Associação Médica Brasileira dão a volta
nas informações oficiais sobre o convênio firmado com a OPAS e declaram que o
programa é apenas uma jogada eleitoral.
Um
desses dirigentes chegou a afirmar que o contrato para trazer médicos cubanos
tem "características de trabalho escravo".
No
extremo do destempero, o presidente do Conselho Federal de Medicina opinou que
a iniciativa do governo "poderá causar um genocídio".
Como
se pode observar, um diploma de médico, uma carreira bem sucedida e o acesso a
um importante posto de representação profissional não asseguram clareza de
raciocínio e honestidade intelectual, e dirigentes das principais entidades
médicas do País podem resvalar rapidamente para um discurso irracional e preconceituoso
quando os interesses corporativos falam mais alto do que a função social
supostamente inerente à sua atividade.
Orgulho
e preconceito
Mas
há muito mais por trás dessa discussão.
Nas
redes sociais e nas correntes de mensagens que se seguem a cada novo movimento
do governo nessa área, na tentativa de suprir a carência de médicos fora dos
grandes centros, proliferam manifestações exageradas como a do presidente do
Conselho Federal de Medicina.
Na
opinião de alguns de seus seguidores, o governo brasileiro não estaria apenas "promovendo um genocídio",
mas articulando um exército de cubanos para levar o comunismo aos rincões do
Brasil, onde supostamente vivem cidadãos mais simplórios e, portanto, vulneráveis
à pregação ideológica.
Uma
leitura transversal de tais manifestações demonstra o nível de estupidez que a
radicalidade política pode provocar, até mesmo entre indivíduos cujo nível de
educação formal supõe alguma racionalidade.
Ao
atacar o programa brasileiro, essas entidades atingem diretamente um dos
projetos mais bem sucedidos da ONU, que, através de suas entidades de saúde,
promove assistência em lugares remotos por todo o mundo e reduz os danos de
conflitos e desastres naturais.
A
imprensa tem que cumprir, pelo menos formalmente, seu papel de ouvir os
diversos lados de uma questão.
Essa
é a justificativa para os leitores de jornais serem apresentados a destemperos
desse tipo.
No
entanto, também é papel dos jornalistas pontuar eventualmente os casos em que o
debate resvala para fora do razoável.
Uma
das alternativas seria mostrar o trabalho feito por médicos engajados em
programas desse tipo pelo mundo afora.
Mas
a imprensa só enxerga, por exemplo, ações de entidades como o Médicos sem
Fronteiras, e parece desconhecer as missões humanitárias da ONU.
Talvez
essa visão seja ainda um resíduo do preconceito com políticas que a imprensa
costumava chamar de "terceiro-mundistas".
Por outro lado, as reações corporativistas dos médicos brasileiros revelam que o País formou uma geração de profissionais aos quais falta a mais básica consciência social.
A
falta de educação cívica não poupa os bem nascidos ou bem sucedidos, que
certamente se orgulham de suas carreiras, e os embates provocados pelas
entidades médicas nas redes sociais mostram como se pode ir do orgulho ao
preconceito em poucos caracteres.
*Via http://www.observatoriodaimprensa.com.br Edição e grifos deste blog
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