Por Tarso Genro (*)
No momento que o PT
discute o seu futuro e de certa forma os demais partidos do campo da esquerda
discutem-no também – tanto em relação ao processo eleitoral do ano próximo,
como em relação às estratégias para o próximo período – quero sugerir que o meu
partido faça o seu debate de uma forma não tradicional. Não agende o seu
discurso a partir de temas relacionados exclusivamente às divergências internas
que nos preocupam, mas também – e principalmente – a partir da composição de um
bloco de forças econômicas e políticas que podem apoiar uma nova fase do
processo da “revolução democrática”, em curso no país: os trabalhadores, os
setores médios democráticos, os assalariados em geral, a juventude
progressista, os homens e mulheres trabalhadores do campo e os setores
empresariais, para os quais o aumento de renda dos mais pobres e as encomendas
e investimentos do Estado significam incremento na sua atividade comercial a
industrial.
Qualifico como
“revolução democrática” o processo concreto em que -independentemente da nossa
vontade ou vocação política – não está em jogo a propriedade dos meios de
produção, mas o seu desenvolvimento para maximizar renda e emprego. Não está em
jogo a destruição do Estado, mas a sua reforma democrática no sentido de
combinar democracia direta com a representação política, para a funcionalidade
da representação da Constituição de 88; não está em jogo qualquer
“expropriação” de meios de comunicação, mas a sua democratização e utilidade
social; não está em jogo a possibilidade de “golpes” de força contra a
Constituição de 88, mas a sua degradação progressiva, pela captura das
instâncias da política pela força normativa do capital financeiro, que degrada
aquela esfera e a utilidade dos partidos.
Sustento, portanto: o
que está em jogo no país é a hegemonia sobre o projeto democrático moderno,
cujo reflexo na estrutura de classes da sociedade e no comportamento dos
agentes políticos – dentro do Estado e fora dele – é que vai determinar o
fundamentos do nosso futuro: o futuro próximo, que refere aos níveis de coesão
social e de igualdades -desigualdades, sociais e regionais; e o futuro mais
remoto, que refere ao tipo de sociedade pós–capitalista e pós-socialismo real,
que iremos construir.
Não está em jogo,
finalmente, uma ruptura forçada do sistema político, mas a possibilidade da sua
reforma, cuja negação, aliás, pode nos levar a uma situação-limite, com a
convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Esta questão da
reforma política é, assim, tanto uma questão de “forma” (reforma feita com
maior ou menor participação popular), como de “conteúdo” (reforma que será
esvaziada no sistema atual dominado pelas forças conservadoras). É para estes
desafios que precisamos nos preparar, em conjunto com as demais forças de
esquerda e progressistas do país, que estão “espalhadas” de maneira não
uniforme em diversos partidos políticos.
É o desafio que nos
impele a retomarmos a condição de “partido de movimento” e “de governo”,
localizando as alianças – tanto no Estado como na sociedade civil – a partir
das demandas que já estão nas ruas e que os governantes locais e regionais não
tem meios para solucioná-las de maneira adequada. As demandas mais sentidas dos
trabalhadores e da juventude são as vinculadas principalmente ao transporte
coletivo nas grandes regiões metropolitanas, à saúde, à educação pública de
qualidade e às tarefas da reforma agrária, através de um programa para zerar os
acampamentos dos “sem terra” e desenvolver uma política audaz de qualificação
da produção e da distribuição da agricultura familiar-cooperada, em todo o
país.
Os dez anos dos
governos Lula e Dilma estão promovendo um ascenso de massas a um consumo digno
que não tem paralelo na história do país. Milhões de crianças deixaram de
morrer de fome, milhões de trabalhadores passaram a viver melhor, milhões de
agricultores melhoraram muito a sua vida, milhões de famílias pobres passaram a
ter filhos na universidade e passaram a ter moradias minimamente dignas. Estes
fatos históricos, na verdade, só não comovem a alta classe média de direita e a
pequena burguesia radicalizada no economicismo.
São dois grupos sociais
que não levam em consideração – nas suas estratégias anti-Lula e anti-PT – o
que é uma família não ter condições de dar alimento para a suas crianças, pela
manhã, e sabê-las dormindo com fome, depois, nas longas noites da miséria. Este
“concreto” de “muitas determinações” na esfera da política, é que lhes isola
nas lutas de “categoriais”, sem qualquer vínculo com o povo real: tanto o
tucanato da classe média alta, como as lideranças esquerdistas, por motivos
diferentes, ficarão com escassa influência no próximo período de luta
eleitoral, se não apresentarem alternativas concretas e reais para responder
ainda mais profundamente a estas necessidades do cotidiano.
Mas a questão, para
nós, é outra. É que estes avanços não bastam. E, mais ainda – como diria
Drummond – “meu nome é tumulto e escreve-se na pedra”: se não avançarmos haverá
retrocesso nestas políticas minimamente decentes de distribuição de renda e
qualidade de vida. Aquilo que Lula chama de “elites” – e com isso sempre irrita
a direita mais conservadora – já está à espreita para buscar novas
alternativas, que sensibilizem a sociedade com apoio da “grande mídia”. Ela faz
este trabalho, em nome de uma “moralidade”, especialmente seletiva para
proteger os seus aliados, combinada com a defesa da “contenção das despesas
públicas” e com a propaganda da “desconfiança” dos agentes econômicos na
economia, numa verdadeira cruzada pelo retrocesso.
Penso que, atualmente,
a matriz material de todas as disputas de importância no cenário nacional, é a
mesma do cenário global: como refinanciar o Estado, para dar curso ao poder “de
fato”, que o sistema financeiro global exerce sobre todas as instituições do
Estado (de parte dos controladores do capital financeiro); e, de outro lado,
como refinanciar o Estado para fazê-lo mais Estado Público e menos Estado
Administrador da dívida pública (de parte da esquerda que aceita governar dentro
da democracia). Este conflito tem muitas peculiaridades, determinações locais e
nacionais, mas é da sua resolução que as forças políticas em conflito sairão,
mais ou menos fortes, para os embates do próximo ciclo democrático.
Compor um programa,
para a próximo período, para fazer este refinanciamento, que tenha, ao mesmo
tempo, apelo político de massas e capacidade de implementação com fortes laços
na esquerda política do país -chamando para a Coalizão o centro progressista e
democrático- é a grande tarefa que deve refletir no processo eleitoral de 2014.
Um novo CPMF para a Saúde e o Transporte, um Imposto sobre as grandes fortunas,
fortes políticas de subsídio à inovação e às novas tecnologias, um amplo
Sistema de Participação Cidadã, na produção de políticas públicas, são alguns
dos itens que a esquerda democrática deveria oferecer à candidata que pode nos
unir a uma ampla maioria popular, para governar por mais quatro anos com
autenticidade e estabilidade.
(*) Governador do Rio
Grande do Sul
**via http://rsurgente.opsblog.org/ Foto: Tarso em Santiago/RS - 2010 - (Arquivo do Blog)
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