segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

30 anos sem GARRINCHA




Algum de seus muitos irmãos batizou-o de Garrincha, que é o nome de um passarinho inútil e feio. Quando começou a jogar futebol, os médicos o desenganaram: diagnosticaram que aquele anormal nunca chegaria a ser um esportista. Era um pobre resto de fome e de poliomielite, burro e manco, com um cérebro infantil, uma coluna vertebral em S e as duas pernas tortas para o mesmo lado.

Nunca houve um ponta direita como ele. No Mundial de 58, foi o melhor em sua posição. No Mundial de 62, o melhor jogador do campeonato. Mas ao longo de seus anos nos campos, Garrincha foi além: ele foi o homem que deu mais alegria em toda a história do futebol.

Quando ele estava lá, o campo era um picadeiro de circo; a bola, um bicho amestrado; a partida, um convite à festa. Garrincha não deixava que lhe tomassem a bola, menino defendendo sua mascote, e a bola e ele faziam diabruras que matavam as pessoas de riso: ele saltava sobre ela, ela pulava sobre ele, ela se escondia, ele escapava, ela o expulsava, ela o perseguia. No caminho, os adversários trombavam entre si, enredavam nas próprias pernas, mareavam, caíam sentados.

Garrincha exercia suas picardias de malandro na lateral do campo, no lado direito, longe do centro: criado nos subúrbios, jogava nos subúrbios. Jogava para um time chamado Botafogo, e esse era ele: o Botafogo que incendiava os estádios, louco por cachaça e por tudo que ardesse, o que fugia das concentrações, pulando pela janela, porque dos terrenos baldios longínquos o chamava alguma bola que pedia para ser jogada, alguma música que exigia ser dançada, alguma mulher que queria ser beijada.

Um vencedor? Um perdedor com boa sorte. E a boa sorte não dura. Bem dizem no Brasil que se merda tivesse valor, os pobres nasceriam sem cu.

Garrincha morreu sua morte: pobre, bêbado e sozinho.

(Eduardo Galeano. Futebol ao Sol e à Sombra. Porto Alegre: L&PM, 2002, p. 118-119.)
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