'A pior das injustiças é aquela
cometida pela própria Justiça'
O julgamento da AP 470 caminha para o
fim como começou: inovando - e violando - garantias individuais asseguradas
pela Constituição e pela Convenção Americana dos Direitos Humanos, da qual o
Brasil é signatário.
A Suprema Corte do meu país mandou
fatiar o cumprimento das penas. O julgamento começou sob o signo da exceção e
assim permanece. No início, não desmembraram o processo para a primeira
instância, violando o direito ao duplo grau de jurisdição, garantia expressa no
artigo 8 do Pacto de San Jose. Ficamos nós, os réus, com um suposto foro
privilegiado, direito que eu não tinha, o que fez do caso um julgamento de
exceção e político.
Como sempre, vou cumprir o que manda a
Constituição e a lei, mas não sem protestar e denunciar o caráter injusto da
condenação que recebi. A pior das injustiças é aquela cometida pela própria
Justiça.
É público e consta dos autos que fui
condenado sem provas. Sou inocente e fui apenado a 10 anos e 10 meses por
corrupção ativa e formação de quadrilha - contra a qual ainda cabe recurso -
com base na teoria do domínio do fato, aplicada erroneamente pelo STF.
Fui condenado sem ato de oficio ou
provas, num julgamento transmitido dia e noite pela TV, sob pressão da grande
imprensa, que durante esses oito anos me submeteu a um pré-julgamento e
linchamento.
Ignoraram-se provas categóricas de que
não houve qualquer desvio de dinheiro público. Provas que ratificavam que os
pagamentos realizados pela Visanet, via Banco do Brasil, tiveram a devida
contrapartida em serviços prestados por agência de publicidade contratada.
Chancelou-se a acusação de que votos
foram comprados em votações parlamentares sem quaisquer evidências concretas,
estabelecendo essa interpretação para atos que guardam relação apenas com o
pagamento de despesas ou acordos eleitorais.
Durante o julgamento inédito que
paralisou a Suprema Corte por mais de um ano, a cobertura da imprensa foi
estimulada e estimulou votos e condenações, acobertou violações dos direitos e
garantais individuais, do direito de defesa e das prerrogativas dos advogados -
violadas mais uma vez na sessão de quarta-feira, quando lhes foi negado o
contraditório ao pedido da Procuradoria-Geral da República.
Não me condenaram pelos meus atos nos
quase 50 anos de vida política dedicada integralmente ao Brasil, à democracia e
ao povo brasileiro. Nunca fui sequer investigado em minha vida pública, como
deputado, como militante social e dirigente político, como profissional e
cidadão, como ministro de Estado do governo Lula. Minha condenação foi e é uma
tentativa de julgar nossa luta e nossa história, da esquerda e do PT, nossos
governos e nosso projeto político.
Esta é a segunda vez em minha vida que
pagarei com a prisão por cumprir meu papel no combate por uma sociedade mais
justa e fraterna. Fui preso político durante a ditadura militar. Serei preso
político de uma democracia sob pressão das elites.
Mesmo nas piores circunstâncias, minha
geração sempre demonstrou que não se verga e não se quebra. Peço aos amigos e
companheiros que mantenham a serenidade e a firmeza. O povo brasileiro segue
apoiando as mudanças iniciadas pelo presidente Lula e incrementadas pela
presidente Dilma.
Ainda que preso, permanecerei lutando
para provar minha inocência e anular esta sentença espúria, através da revisão
criminal e do apelo às cortes internacionais. Não importa que me tenham roubado
a liberdade: continuarei a defender por todos os meios ao meu alcance as
grandes causas da nossa gente, ao lado do povo brasileiro, combatendo por sua
emancipação e soberania.
José Dirceu
***
-NOTA: O Editor do Blog presta aqui sua
total e irrestrita solidariedade ao valoroso companheiro José Dirceu, assim
como ao não menos valoroso companheiro José Genoíno e outros que, como eles,
foram 'julgados' e condenados sem provas, num julgamento midiático, político e
de exceção, que depõe contra o Estado Democrático de Direito vigente em nosso
país - e contra a própria Constituição.
(Júlio Garcia)
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